Ecumenismo faz história em Portugal
Jorge Pina Cabral, bispo da Igreja Lusitana, e Tony Neves, padre da Igreja Católica, comentam à Agência ECCLESIA um momento histórico para o diálogo ecuménico em Portugal: a assinatura, a 25 de janeiro, da declaração de reconhecimento mútuo do Batismo
Agência Ecclesia (AE) – D. Jorge Pina Cabral que documento é este que vai ser assinado no dia 25 de janeiro? Que novidade traz esta declaração ao diálogo ecuménico?
Jorge Pina Cabral (JPC) – Traz uma novidade grande! É a primeira vez que cinco Igrejas em Portugal vão reconhecer publicamente aquilo que as une na prática já neste caso da prática do sacramento do Batismo. Estamos a falar na Igreja Católica Romana, da Igreja Lusitana, da Igreja Metodista, da Igreja Presbiteriana e da Igreja Ortodoxa de Constantinopla. Este é um reconhecimento mútuo daquilo que os une já na prática do Batismo e também no fundo uma constatação daquilo que já se verifica na prática na vivência entre as diversas Igrejas.
AE – Já vai havendo este reconhecimento recíproco?
JPC – Já existe, efetivamente.
AE – Agora institucionaliza-se em Portugal?
JPC – Exatamente. Significa que a partir de agora entre estas Igrejas está definido que há um reconhecimento da prática do sacramento do Batismo e portanto as Igrejas passarão o respetivo certificado para desse modo poder junto da outra Igreja atestar a validade do sacramento e ao mesmo tempo evitar situações de rebatismo e outras situações que podem decorrer dessa situação. Mas é efetivamente um acontecimento de grande novidade e alegria para as Igrejas em Portugal.
AE- Em termos práticos o que acontece de facto? Um batizado numa Igreja Católica ou Lusitana, por exemplo, esse sacramento tem o mesmo valor noutra Igreja que assine esta declaração?
JPC – Exatamente. O que esta declaração vem dizer é que o valor é o mesmo, portanto reconhece a doutrina e a prática que está subjacente ao rito do Batismo praticado em qualquer uma das Igrejas e nesse sentido há um reconhecimento total da validade do sacramento do Batismo.
AE – É um passo efetivo no ecumenismo que se dá com esta declaração?
Tony Neves (TN) – É, eu diria que é um pequeno passo para nós Igrejas que vamos assinar a declaração, mas é um grande passo para o ecumenismo e sobretudo para o ecumenismo em Portugal. Em termos práticos não vão mudar muitas coisas mas simbolicamente este é um passo importante. Nós sabemos que o ecumenismo não vai acontecer aos saltos, vai acontecer passo após passo e começar por aquele passo que é fundante, o Batismo é a entrada nas Igrejas, é um sacramento reconhecido por todos como o sacramento de iniciação, de entrada. Dar este passo tocando no Batismo estamos claramente a abrir outras portas que claramente pouco a pouco vamos conseguindo abrir o que nos permite aprofundar a caminhada ecuménica. Eu acho que o que há de interessante neste passo é que nós fazemos uma caminhada ecuménica já há muitos anos e precisamos de marcos nesta caminhada que apontem caminhos mas que também provem às comunidades, aos nossos crentes, aos nossos batizados que nós não estamos parados, que nós temos uma vontade muito grande de unidade. O lema que se viverá na semana da unidade é “Estará Cristo dividido?”, uma grande pergunta de São Paulo. É uma pergunta que a resposta traz uma revolução muito grande nas Igrejas e creio que esta assinatura deste reconhecimento mútuo é um sinal.
AE – E corresponde a um percurso de diálogo, de aproximação entre as Igrejas Cristãs feito ao longo dos últimos anos?
TN – Sim e esse percurso está a fazer-se com um aumento claro de iniciativas que nos aproximam e mostram esta nossa capacidade de comunhão porque basta reparar que a semana da unidade é celebrada há muitos anos. E durante muito tempo o nosso ecumenismo foi muito sediado, entrincheirado nesta semana. A verdade é que desde que aconteceu a Assembleia Europeia Ecuménica em Graz, na Áustria no ano de 1997, criaram-se dinamismos novos que afetaram sobretudo as gerações mais novas, daí toda a caminhada da equipa ecuménica jovem de que o senhor bispo Jorge Pina Cabral e eu pertencemos. Mas há outros exemplos, no Porto por exemplo há uma equipa ecuménica todo o ano e que engloba jovens e menos jovens o que tem feito que as Igrejas façam uma caminhada muito profunda, muito interessante e já com iniciativas muito agilizadas, tem sido uma caminhada muito interessante.
AE – Depois deste passo, desta assinatura do reconhecimento mútuo do Batismo pode seguir-se outro sacramento? Há aproximações, diálogos para que por exemplo a Eucaristia seja também reconhecida? Para que o alimento numa celebração seja em comum?
JPC – Gostaríamos que sim. Estou certo que Espírito Santo irá providenciar esses passos. O que nós temos de perceber que este não é um acontecimento isolado, aquilo que tem acontecido aqui em Portugal tem acontecido também noutros países e é uma expressão daquilo que o Espírito Santo tem feito ao nível da caminhada ecuménica em todo o mundo. E portanto nós inserimo-nos aqui em Portugal também nessas circunstâncias e particularismos próprios também. Penso que o que é importante é para já efetivamente celebrar este evento e celebrar este evento significa também aprofundar também o próprio sentido do Batismo enquanto sentido de sacramento de iniciação e também enquanto sacramento que constrói a Igreja e nos remete para caminhos novos que o Espírito nos quer proporcionar. Celebramos isso agora sempre com a perspetiva de que o futuro e o Espírito Santo nos vão proporcionar novos desenvolvimentos. Naturalmente que o podermos celebrar o sacramento da Eucaristia em conjunto será o grande objetivo a nível de unidade das Igrejas e dos cristãos. Este é um passo importante e é um passo que agora tem de ser aprofundado em todas as suas consequências.
AE – Num dos últimos pontos desta declaração afirma-se que há o desejo de que esta assinatura seja um passo efetivo em frente no ecumenismo: há uma abertura a algo mais?
JPC – Exatamente. É um passo importante não só para as Igrejas mas também para a própria sociedade. No dia 25 de janeiro as Igrejas vão dar um sinal de união, um sinal de reconhecimento, um sinal de que juntas querem contribuir para uma sociedade nova e diferente. Numa sociedade como a nossa que vive tantas tensões, estão tão dividida, as Igrejas estão a ser um sinal de Deus para o mundo. Estão a ser um sinal de unidade e portanto esta é uma dimensão única da nossa caminhada e do nosso batismo e do nosso trabalho ecuménico que eu acho que é muito importante referir. Portanto, deixamos que o Espirito Santo com toda a sua força, com toda a sua pujança também agora nos inspire.
AE – Nomeadamente na comunidade católica a assinatura desta declaração pode tornar mais concreto e aproximar este tema do ecumenismo de todas as pessoas, que por vezes o deixam para debate apenas nas lideranças?
TN – Sim, até porque a realidade portuguesa é uma realidade que durante muito tempo foi vincadamente católica no que diz respeito à expressão cristã e por isso para muita gente, sobretudo em certas áreas geográficas de Portugal, a presença de outras comunidades cristãs é uma presença que passa ao lado, que passa despercebida a essas pessoas. Portanto eventos como este como conjunto da caminhada ecuménica que se está a fazer em Portugal e que está a ser devidamente amplificada até pelos meios de comunicação social, permite-nos perceber que a riqueza do Cristianismo está nesta pluralidade que tem de ser entendida como uma riqueza. E eu creio que o impacto mais interessante deste protocolo de reconhecimento mútuo da celebração do Batismo poderá ser esta visibilidade dum Cristianismo que tem visões plurais mas que os cristãos todos estão conscientes que a vontade de Cristo é unidade e com a força do Espírito temos de caminhar cada vez mais nesta dimensão dando este sinal à sociedade. Numa sociedade tão fragmentada, tão dividida aparecerem as Igrejas de mãos dadas, juntas a mostrar esta vontade de comunhão, isso será certamente inspirador para também as diversas forças da sociedade sintam que é pela unidade que resolveremos os problemas.
AE – Para além desta assinatura, no dia 25 de janeiro vai acontecer também uma celebração ecuménica?
JPC – A própria assinatura vai ser feita no contexto de um momento de oração, naquilo que chamamos de celebração nacional que irá reunir os diferentes hierarcas das Igrejas e o povo também das diferentes Igrejas. Irá acontecer na Catedral Lusitana de São Paulo, em Lisboa e o bonito é que o ambiente será de oração e de louvor ao Senhor. Portanto é uma celebração do espírito de unidade e de louvor a Deus pelo dom do Batismo que a todos nos concede. Será neste ambiente e também inserido neste oitavário da oração que estamos a viver com esta pergunta tão bonita de São Paulo -“Estará Criso dividido?” - e nós estamos de certo modo a responder pela positiva.
AE – A dizer que está cada vez menos dividido. Será?
JPC – Sim.
TN – Sem dúvida.
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