Entrevistas

Um ano para a História

Agência Ecclesia
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O historiador e professor universitário Paulo Fontes, da Universidade Católica Portuguesa, afirma que a popularidade do Papa Francisco se inscreve num movimento de grande visibilidade do papado

Agência ECCLESIA (AE) – Enquanto historiador que balanço faz sobre o primeiro ano de pontificado do Papa Francisco?

Paulo Fontes (PF) – Talvez a primeira coisa a dizer sobre este Papa é que a figura do Papa Francisco se inscreve num movimento de maior duração, de grande visibilidade do papado, pelo menos na segunda metade do século XX. Quando olhamos desde Pio XII com as peregrinações para Roma, com Paulo VI com a ida a alguns lugares simbólicos como seja a Jerusalém, à Assembleia das Nações Unidas nos EUA passando pelas suas visitas a alguns países de diversidade religiosa como a India, etc. Quando olhamos para o Papa peregrino que foi João Paulo II um pouco por todo o mundo e a sua atenção ao diálogo inter-religioso, quando olhamos para algumas reflexões e gestos de Bento XVI, nomeadamente para aquele que ficará como o mais marcante, a sua própria resignação. Olhando para todos estes casos o Papa Francisco inscreve-se dentro deste movimento que concita uma grande atenção por parte de um mundo cada vez mais numa lógica global e numa lógica comunicacional muito forte.

 

AE – Depois da surpresa com a resignação de Bento XVI havia muita expetativa em saber o que viria a seguir?

PF – Francisco correspondeu por um lado a uma expetativa muito grande que havia e que tinha a ver por um lado com algum desencanto e críticas muito acesas que no final do pontificado de Bento XVI se tinham concentrado sobre a maneira não tanto do Papa mas da cúria romana, e por via dele do lugar do papado, na forma como foram geridos alguns dossiers. Nomeadamente nas questões de escândalos ligados a casos de pedofilia, sobretudo nos EUA e na Irlanda e depois a gestão do Instituto das Obras Religiosas, tudo isso gerava críticas muito fortes o que submeteu o papado de Bento XVI a um desgaste na sua fase final muito grande por isso havia uma expetativa relativamente ao modo em saber como quem lhe ia suceder ia reagir a isso e que perspetivas ia trazer.

 

AE – Francisco disse no momento da sua eleição que vinha ‘do fim do mundo’. Até que ponto a sua origem e a sua vivência latina marcam o seu pontificado?

PF – O Papa Francisco é marcado desde logo pela sua origem, vem de uma zona, de um continente de grande tradição e presença dos cristãos, e uso aqui expressamente a palavra cristãos porque existe naquela zona uma cristandade muito atravessada pelo confronto e pela diversidade entre setores católicos, evangélicos e protestantes tradicionais. A América, onde fica a Argentina, é um continente em grande ebulição e emergência com questões novas, a posicionar-se de novo no mundo global”.

Por outro lado Francisco é marcado pela sua postura pessoal e creio que é isso que tem concitado uma grande atenção e diria até adesão por parte de muitos setores não só católicos mas da opinião pública em geral”.

 

AE – Como se explica essa atenção generalizada?

PF – Explica-se pelo seu posicionamento do ponto de vista comunicacional e do entendimento que ele faz do lugar do papado, ele coloca-se como um testemunho de um crente, de alguém que nos gestos que têm, naquilo que diz, se envolve, parte de si e da sua experiência numa linguagem de grande proximidade.

E isso transmite a muitas das pessoas um sentimento de autenticidade na sua comunicação e de facilidade de empatia num grande sentido de humanidade.

Por outro lado eu diria que Francisco através do seu discurso, no seu apelo ao serviço da missão da Igreja acabou por recentrar o papel do papado seja do ponto de vista da Igreja como do ponto de vista da sociedade, do mundo global.

 As suas atitudes mostram que o papado está ao serviço da Igreja no serviço e na terminologia teológica e pastoral católica do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo, ou seja na perspetiva de servir esse movimento de evangelização com alegria e com esperança como ele diz. E, portanto, trazendo logo aí um olhar mais fresco e atento às periferias por um lado e por outro aos dinamismos de humanização que atravessam a própria humanidade.

 

AE – Que análise faz à primeira exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’ (A Alegria do Evangelho) deste Papa?

PF – É curioso que Francisco vá buscar referências de vários pontos da tradição da Igreja, citando não apenas por exemplo São Tomás de Aquino mas citando também a exortação apostólica ‘Evangelii nuntiandi’ de Paulo VI, que se centra muito no tema da evangelização.

Também muito interessante é ver a ideia que ele tem sobre qual deve ser o papel da Igreja diante dum mundo cada vez mais global. E aí a reflexão do Papa sobre a economia global, o sistema financeiro internacional e a sua desregulação são alvo de palavras muito fortes e contundentes expressas por ele na exortação apostólica ‘A Alegria do Evangelho’.

E isso criou grandes expetativas na maneira como as Igrejas depois à escala local vão ser capazes de corresponder a esta expetativa de renovação em cada lugar, em cada diocese, em cada continente.

AE – Este primeiro ano de pontificado fica também marcado pela convocação do Sínodo dos Bispos para abordar o tema da família?

PF – A convocação do Sínodo dos Bispos sobre o tema da família é outro dos pontos importantes neste ano de pontificado porque veio ao encontro também de expetativas porque se essas questões relativas ao entendimento plural e contraditório entre a doutrina e as vivências, entre a proposta cristã e muitas das vivências sociais, culturais em geral não existisse não teria havido o movimento de resposta que houve nesta preparação do próximo Sínodos dos Bispos.

 

AE – Um ano depois e analisando os pontos principais do pontificado de Francisco até agora, que se pode esperar do futuro?

PF – Resta saber, e penso que essa é uma questão é muito cedo ainda para avaliar, como é que o todo da Igreja, desde cada cristão, cada comunidade à escala local até às dioceses, aos vários episcopados locais e aos vários organismos da Igreja no seu todo, inclusive a Cúria Romana que o Papa Francisco pretende reformular e já iniciou passos nesse sentido, como é que vão corresponder a este desejo de renovação, como é que isso se vai traduzir na tal necessidade de conversão pastoral da Igreja e por outro lado de expressão numa lógica de empenhamento e presença cívica dos cristãos enquanto crentes na sociedade retomando para hoje uma Teologia chamaríamos de política, de valorização desse empenho dos cristãos na cidade para anunciar com alegria e com esperança a palavra de Jesus Cristo.



Papa Francisco