Tendo como pano de fundo esta fé no Deus que ama a todos mas manifesta uma especial predilecção por aqueles que se encontram no “outono da vida”, partilhamos a nossa reflexão sobre a situação dos idosos na região em que vivemos.
O Instituto Nacional de Estatística revelou em 2017 que a esperança de vida à nascença melhorou em todas as regiões do país nos últimos 6 anos, prevendo-se uma esperança de vida de 80,47 anos para o total da população, sendo de 77,61 anos para os homens e de 83,33 anos para as mulheres.
Assistiremos nas próximas décadas ao aumento de 10,02 anos de vida para os homens e de 8,87 para as mulheres.
Esta oportunidade de mais vida vivida deveria ser encarada como uma mais valia social, e esta qualidade da longevidade dependerá muito de um factor fundamental: a saúde, permitindo esta um bem estar individual e social.
Por outro lado, viver mais também significa estar mais exposto a riscos, não só do estado de saúde, mas também do isolamento social e da solidão, da dependência económica, da estigmatização e dos abusos, quer físicos, quer psicológicos, financeiros ou por negligência.
Apesar da nossa excelente esperança de vida, “estamos no topo da Europa como o país que menos investimento tem para os idosos” conforme referido por Antonieta Dias, Vice Presidente da Comissão de Proteção ao Idoso, na conferência “Reaprender a Idade: Contributos Interdisciplinares”.
VER:
Vejamos alguns dados concretos no distrito e diocese de Vila Real, coincidentes em termos geográficos.
Em termos demográficos, o distrito de Vila Real perdeu, desde o início do século XXI até 2017, 13% da sua população, cerca de 30.000 habitantes. Quase os concelhos de Valpaços e Peso da Régua juntos! Dos 193.715 residentes no distrito em 2017, 50.395 têm 65 ou mais anos, ou seja, 26%! Uma população sénior que supera, por exemplo, toda a população do concelho da capital de distrito, Vila Real.
Destes cerca de 50.000 idosos, segundo dados da operação Censos Sénior 2017 da GNR, 3.827 vivem em situação de solidão e/ou isolamento. 8% da população sénior do distrito de Vila Real (2% da total) vive sem ninguém a seu lado ou sem ninguém a quem recorrer. Idosos a quem, naturalmente, advirão, com maior probabilidade, problemas de saúde, e que não têm perto de si um médico, um enfermeiro, um agente de autoridade, um vizinho, um amigo, ou, tão simplesmente, um familiar ou um cuidador.
Em termos económicos, e de acordo com dados oficiais (INE/PORDATA), a população idosa (com mais de 65 anos) na diocese de Vila Real é atualmente composta por 47242 indivíduos, chegando nalguns municípios a valer quase 30% dos residentes. Ainda que escasseiem dados com detalhe necessário, espera-se que o rendimento médio de cada uma destas pessoas ronde os 400 euros, o que representa 35% da média do rendimento nacional – portanto, cada uma destas pessoas à partida tem menor poder de aquisição do que outro cidadão nacional. Como reflexo, resultados recolhidos por inquéritos nacionais, mostram a população idosa insatisfeita ou muito insatisfeita com o poder de compra.
A maioria desta população (98% para os homens e 77% para as mulheres) é composta por pensionistas, isto é, por pessoas cuja fonte principal de rendimento são figuras de Pensão, isto é, transferências unilaterais do Estado por motivos de compensação da contribuição direcionada durante a vida contributiva, pela acumulação diminuída de capitais ou poupanças ou por compensação das consequências derivadas de acidentes diminutivos da produtividade esperada.
Ainda que os dados diretos escasseiem, a ação económica destas pensões é visível e importante (ou muito importante) no desenvolvimento da região. Por uma via, estas pensões – dado o valor caraterístico – vão maioritariamente para fins de consumo próprio que em não raras vezes se canaliza para consumo do agregado familiar (cônjuge, filhos e netos). Adicionalmente, contribuem para a dinâmica da Poupança na região (tradicionalmente uma região que Poupa mais – que deposita mais nos Bancos – do que se endivida). Finalmente, e considerando só os fluxos mensuráveis, a ação económica estende-se ao esforço redistributivo em muitos casos, pois os idosos da diocese de Vila Real ajudam (“dão dinheiro”) a filhos desempregados, suportam despesas associadas aos filhos e até à educação dos netos. Portanto, desde logo, o dinheiro destes idosos é importante para a região.
Mas ainda temos outro aspecto de que não podemos orgulhar-nos, “Portugal tem um sério problema no que respeita aos maus tratos contra idosos”, assim se referia a OMS no seu relatório sobre Prevenção contra os Maus Tratos a Idosos. Neste relatório que envolveu 53 países, Portugal está no grupo dos 5 piores no tratamento dos mais velhos, com 39% de idosos vitimas de violência.
Não é possível ficar alheio a estes dados, em que existe uma franca agressão aos direitos humanos e de cidadania de um número elevado da nossa população, nomeadamente da mais frágil. Em 2015, éramos o 4º país da União Europeia com maior percentagem de pessoas idosas, apenas ultrapassados pela Grécia, Alemanha e Itália.
A APAV, refere que entre 2013 e 2016, a violência contra idosos aumentou 30% em Portugal. A violência contra os idosos é um problema sério, mas muito pouco falado, para alguns até desconhecido, para outros ignorado, porque é um tema incómodo e “fere fundo a alma de um país”.
O assunto carece de intervenção política, de investimento e organização, de uma sensibilização da sociedade para o tema de que parece não se querer falar, de um despertar de consciências para proteger e defender direitos humanos universais de uma população fragilizada e muitas vezes incapaz de denunciar.
A violência contra a população idosa é um problema universal. Estudos de diferentes culturas demonstram que pessoas de todos os status sócio económicos, etnias e religiões são vulneráveis aos maus tratos de várias formas, física, emocional, financeira, sexual.
JULGAR:
Vista esta situação sob o ponto de vista dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, que, por exemplo, nos dizem que “ninguém pode ser submetido a tratos degradantes ou desumanos” (art.º 25.º), que “para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde” (art.º 64.º), ou que “as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social” (art.º 72.º), impõe-se que interroguemos, mais que o porquê de termos chegado aqui, o porquê de não tentarmos sair desta situação desumana.
Porque esta não é somente uma questão política, é uma questão de humanidade, de dignidade, de uma sociedade que se confronta, ou que se envergonha de se confrontar, com uma situação de marginalização da sua franja social mais indefesa e vulnerável, como é o caso da terceira idade que, no interior do país, tem vindo a ser despojada de um acesso eficiente e condigno à protecção da saúde, à protecção da justiça, à protecção da sua segurança e à protecção da sua situação social e familiar.
Escudada no papel supletivo, mas fulcral, que as entidades da Igreja e do sector social, vêm desempenhando no apoio a muitas dessas situações de solidão e isolamento, a sociedade e o seu Estado abdicam de exigir de si próprios aquilo que de mais basilar devia alicerçar um Estado Social de Direito: uma defesa intransigente, exigente e efectiva dos mais elementares direitos humanos de todos e qualquer um dos seus cidadãos, em especial dos mais vulneráveis.
AGIR: O que fazer?
Não podemos deixar de invocar a importância maior destas Pessoas para o Desenvolvimento Sócio-Económico da Sociedade e da Igreja da região e finalmente os alarmes e alertas que algumas destas Pessoas nos deixam.
Estas Pessoas – numa visão metafórica/Exegética – são Sacrários. São ‘pontes’: entre a Igreja mais militante nas décadas passadas, com a sua Riqueza de Tradições, de Concepções do Homem e do Social, mas também com os seus Desafios próprios de uma visão de um mundo atual que pode ‘escandalizar’ alguns. São Igreja mas também precisam da Igreja para não se desintegrarem nestes choques. São importantes para o Desenvolvimento do País pois, além da afetividade e do carinho que proporcionam como imagem e como presença junto dos outros, permitem uma leitura crítica dos ritmos, das escolhas e dos valores.
Finalmente, os alarmes. A maioria dos Pobres (naquilo que o conceito tem de violento e complexo) são idosos em Portugal. Também o mesmo acontece na Diocese. Fazemo-los Pobres quando os desvalorizamos, quando lhes negamos conforto e consumos básicos (mas também impostos, como as necessidades digitais) e quando os obrigamos a transportes longos para centros de saúde por exemplo. Fazemo-los Próximos quando, como o Bom Samaritano, descemos dos nossos ritmos, caminhamos até eles, sentimos a sua carne (na alegria e no sofrimento) e acompanhamos a sua valorização.
O idadismo tem-nos feito esquecer que o Idoso é um dos elementos mais “ricos” da sociedade pela sua experiência, pelos seus conhecimentos, pelo seu amor aos familiares, pelo legado que deixa não só aos seus mas a toda a comunidade. Assim, reconhecer a sua dignidade e direitos pode trazer-nos muito em troca. Enquanto cristãos, a consciência de estarmos a amar Jesus através do Idoso contribuirá certamente para esta alegria, mas, em termos estritamente humanos, o respeito pelos direitos dos idosos por parte da sociedade constitui uma obrigação ética de eliminar discriminações que, prejudicando um só que fosse, é mácula suficientemente grande para a todos nos afrontar.
[1] João Paulo II, Carta do Papa João Paulo II aos Anciãos, trad. portuguesa do Secretariado Geral do Episcopado, Lisboa, Paulinas, 1999
[2] João Paulo II, Carta…, 1.