“Europa, que dizes de ti mesma?”
Hoje, aos cristãos, volta a impor-se a questão: “Europa, que dizes de ti mesma?”
A Europa que abriu fronteiras tornou possível e estimulou o diálogo ecuménico, o diálogo inter-religioso e a real comunhão entre os cristãos, num movimento de unidade, bem como a boa convivência e o respeito entre crentes de diversas religiões ou não crentes, em múltiplos contextos, porque são os nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho ou porque apreciam as mesmas obras de arte ou as mesmas canções.
O apelo – o apelo cristão – é a um tempo simples e complexo: a Europa deve continuar a ser este bom lugar em que, assim o queiramos nós, o nosso próximo esteja realmente próximo e tenha os múltiplos rostos que bem conhecemos e estimamos.
“Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele ‘espírito humanista’ que naturalmente ama e defende”, considerou o Papa Francisco quando falou aos eurodeputados.
Falando sobre a relação entre o mistério eucarístico e o compromisso social, o Papa Bento XVI fez notar, na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, que a união com Cristo incita a relações sociais novas. A Eucaristia, explicou Bento XVI, “reforça a comunhão entre os irmãos e, de modo particular, estimula os que estão em conflito a apressar a sua reconciliação, abrindo-se ao diálogo e ao compromisso em prol da justiça. A restauração da justiça, a reconciliação e o perdão são, sem dúvida alguma, condições para construir uma verdadeira paz”, nascendo desta consciência a “vontade de transformar também as estruturas injustas, a fim de se restabelecer o respeito da dignidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus; é através da realização concreta desta responsabilidade que a Eucaristia se torna na vida o que significa na celebração”.
A Igreja “não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça”, recorrendo à “argumentação racional” e despertando “as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar”, escreve Bento XVI, acrescentando que o pedido repetido em cada Missa: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje” impõe que se faça “tudo o que for possível, em colaboração com as instituições internacionais, estatais, privadas, para que cesse ou pelo menos diminua, no mundo, o escândalo da fome e da subnutrição que padecem muitos milhões de pessoas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento”.
Afirma Bento XVI que o leigo cristão, formado na escola da Eucaristia, “é chamado a assumir directamente a sua responsabilidade político-social”. Essa tarefa impõe uma educação concreta para a caridade e a justiça, sendo para tal indispensável o conhecimento da Doutrina Social da Igreja, um “precioso património, nascido da mais antiga tradição eclesial”. Caracterizada “pelo seu realismo e equilíbrio, ajudando assim a evitar promessas enganadoras ou vãs utopias”, a Doutrina Social da Igreja é susceptível de orientar, com profunda sabedoria, o comportamento dos cristãos “nas questões sociais em ebulição”. Algumas delas foram referidas pelo Papa Francisco na sua alocução aos eurodeputados. É o caso da imigração. Para a enfrentar, é necessário saber “propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes”; “adoptar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos”. Como Francisco nota, “é necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos”.
Desafio incontornável, segundo o Papa Francisco, é a ecologia. “A Europa sempre esteve na vanguarda de um louvável empenho a favor da ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens”. Respeitar o ambiente, acrescentou o Papa, “não significa apenas limitar-se a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem”. Francisco dizia pensar “sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao homem. Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela”. Daí a conclusão de Francisco: “A par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as minhas palavras”.
Votar nas próximas eleições é uma responsabilidade indeclinável
Desde logo, pela importância de que se reveste o Parlamento Europeu, cujos deputados terão o poder de co-legislar na União Europeia, consensualizando com o Conselho Europeu a legislação da Comissão Europeia que tanto afecta o dia-a-dia de cada um.
O voto é também importante para contrariar a baixa participação dos portugueses nas eleições europeias desde 1979, o que, aliás, é algo paradoxal, sabendo-se que os portugueses reconhecem o contributo da União Europeia para o progresso nacional, assaz meritório, mesmo que não isento de omissões e erros. Ao votar nas eleições para o Parlamento Europeu, os portugueses manifestam também a vontade de ter voz na permanente construção da União Europeia, impondo-se, todavia, que os candidatos e os futuros parlamentares se empenhem em esclarecer e ouvir os portugueses em matérias determinantes e essenciais para a nossa vida comunitária.
O voto nestas eleições é um dever elementar de cidadania e um factor de legitimação popular da governação europeia, não devendo tal faculdade ser contaminada por assuntos meramente nacionais ou por agendas alicerçadas no cálculo eleitoralista.
Votar é desejar que a Europa não se volte para o seu umbigo. Que compreenda que ficará tanto melhor quanto melhor estiverem os outros povos. Que compreenda a riqueza da multiculturalidade, da diversidade e do livre pensamento. Que ponha a economia ao serviço dos cidadãos, e, em particular, dos mais vulneráveis.
O voto de cada eleitor é fundamental para que a política europeia se mobilize para defender o Bem e a Casa Comum, apesar das constantes instigações em contrário formuladas pelos engenheiros do caos.
Quando as ameaças se multiplicam, conjugando-se para fragilizar o Estado de Direito e os valores democráticos, votar pode ser um grito pacífico em defesa de uma Europa que respeite integralmente a vida humana, que proteja os direitos, as liberdades e as garantias. No voto, pode e deve estar uma manifestação de apreço pela justiça, pela liberdade, pela solidariedade, pela tolerância, pela dignidade e pela equidade.
Para os católicos portugueses, reunidos em Braga entre 31 de Maio e 2 de Junho no V Congresso Eucarístico Nacional, sob o lema: “Partilhar o Pão, alimentar a Esperança. ‘Reconheceram-n’O ao partir o pão’” (Lc 24,35), a participação nos debates suscitados por estas eleições e o voto consciente são expressão concreta das suas responsabilidades político-sociais, uma existência formada na escola da Eucaristia.
Votar é uma responsabilidade cívica que não deve ser declinada. A democracia não pode prescindir de escutar seja quem for. Ninguém deve desperdiçar a oportunidade para se fazer ouvir.
20 de Maio de 2024
Referências
Papa Francisco – Discurso ao Parlamento Europeu. Estrasburgo, França, 25 de Novembro de 2014. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/november/documents/papa-francesco_20141125_strasburgo-parlamento-europeo.html
Papa Bento XVI – Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis. Roma, 22 de Fevereiro de 2007. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20070222_sacramentum-caritatis.html
Papa João Paulo II – Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa. Roma, 28 de Junho de 2003. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_20030628_ecclesia-in-europa.html