«A maternidade e paternidade são valores sociais eminentes, pelo que, em caso algum, podem a mulher ou o homem ser discriminados, preteridos, menorizados ou prejudicados em função do seu estado de gravidez ou de prestador de cuidados aos filhos na primeira infância». (artigo 1º)
«Na primeira consulta da grávida para efeitos de interrupção voluntária da gravidez, é fornecida informação clara, verbal e escrita, sobre os apoios sociais existentes, incluindo os subsídios de parentalidade a que tem direito por efeito da gravidez e do nascimento». (artigo 2º, nº 1). «Tais apoios podem ser de natureza pública ou privada desde que oficialmente reconhecidas, ajudas monetárias ou em espécie» (artigo 2º, nº 2).
«À grávida deve ser dado o direito de apresentar as dificuldades, estudadas as circunstâncias que ditam o recurso ao aborto, nomeadamente quando resulte de violação dos direitos laborais ou violação de direitos fundamentais, por forma a, sempre que possível, remover tais obstáculos, com apoios concretos.» (artigo 3º).
«Nos Centros de Saúde, unidades de saúde familiar, serviços de ginecologia/obstetrícia, Conservatórias do Registo Civil é fornecida informação escrita aos utentes sobre o valor da vida, da maternidade e paternidade responsáveis, nomeadamente quanto a cuidados devidos ao nascituro e criança na primeira infância.» (artigo 4º).
A Lei nº 16/2007, de 17 de abril, aprovada na sequência do referendo de 2007, que legalizou o aborto por opção da mulher, é alterada (pelo artigo 5º), no que se refere à consulta prévia já nessa Lei considerada obrigatória e condição da licitude do aborto, passando a fazer referência à obrigatoriedade de prestação de informações sobre apoios das IPSS (e não apenas do Estado) à prossecução da gravidez e maternidade, e substituindo a referência à “disponibilidade” de acompanhamento psicológico e social durante o período de reflexão por “obrigatoriedade” desse acompanhamento. A consulta de planeamento familiar posterior à prática do aborto também passa a assumir carácter obrigatório.
Por outro lado, é eliminada a proibição, constante dessa Lei, de participação dos médicos objetores de consciência nessa consulta prévia. Consigna-se que «a declaração de objeção de consciência tem carácter reservado, é de natureza pessoal, e em caso algum pode ser objeto de registo ou publicação ou fundamento para qualquer decisão administrativa.»
Este é o conteúdo do texto que substitui o projeto de Lei nº 790/XIII/4ª, resultante da Iniciativa Legislativa de Cidadãos “Lei de apoio à maternidade e paternidade- do direito a nascer” (cuja comissão representativa integrei), que recolhe alguma das propostas nesta contidas e que foi aprovado no dia 22 de julho.
Pois bem, foi este diploma que os seus opositores, deputados e associações, qualificaram, num debate em que revelaram uma agressividade inaudita, de “vergonha”, “retrocesso de décadas” e forma de “espezinhar as mulheres”. O primeiro a ser revogado numa próxima legislatura.
Só consigo perceber essa reação, por um apego fundamentalista a uma conceção do direito ao aborto como direito absoluto, intocável e irreversível. Não foi isso que se ouviu a muitos partidários do “sim” no referendo de 2007, que com insistência diziam “todos somos contra o aborto”, e que salientaram a importância do aconselhamento como forma de limitar o recurso a essa prática (de «salvar vidas» – disse o primeiro-ministro de então). Chegou a ser defendido por algumas dessas pessoas o sistema alemão, onde esse aconselhamento não só é obrigatório, como é legalmente definido como tendente à proteção da vida nascente (o que vai muito para além do sistema português, meramente informativo, mesmo depois das alterações agora aprovadas).
Há quem diga que esta questão ficou encerrada com o referendo de 2007 e que é hoje pacífica. A vivacidade (ou a violência) do debate a que assistimos revela o contrário. Mas não era intenção da iniciativa legislativa em causa reacender essa questão, como se vê pelo conteúdo da Lei aprovada. Era o de estabelecer pontes, em torno de um objetivo comum de apoio à maternidade e paternidade. Os opositores a essa iniciativa acusaram os seus proponentes de “fundamentalismo” e “extremismo”. Mas onde está o “extremismo”? Na proposta que foi aprovada, ou a quem a ela se opôs tão violentamente?
Para mim e para muitos, a questão nunca estará encerrada enquanto a vida dos mais fracos, os nascituros, não estiver devidamente tutelada. Afirmou sobre esta questão o Papa Francisco, e depois de também denunciar a «economia que mata», na exortação apostólica Evangelii Gaudium (n. 213): «Entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predileção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de turno.»
Pedro Vaz Patto