Passará quase despercebida a muitas pessoas (num momento em que outras são as questões que recebem enfoque na comunicação social) a aprovação da proposta de legalização da adoção conjunta por uniões do mesmo sexo. Uma questão, esta, que tem gerado ampla discussão por todo o lado e que se liga a opções antropológicas de grande alcance. E que os partidos proponentes assumem como “prioridade das prioridades”, a anteceder qualquer outra no início da presente legislatura. Vale a pena recordar os princípios que estão em jogo.
A adoção não pode configurar-se como direito dos candidatos a adotantes. Não se trata, pois, e em primeira linha, de chamar à colação, no que a esses candidatos diz respeito, o princípio da igualdade e não discriminação em função da orientação sexual.
Decisivo é, antes, o bem da criança a adotar. Sabendo que a finalidade da adoção não se compadece com qualquer experimentalismo social, nem se confunde com qualquer instrumento de afirmação de “novos modelos de família”. Finalidade da adoção é a de proporcionar à criança uma família o mais possível igual à da família biológica (uma família igual à das outras crianças), não um qualquer espaço afetivo, mas aquele que é próprio da filiação.
O bem da criança supõe, no que à adoção conjunta diz respeito, a presença simultânea de uma mãe de um pai. Cada um deles tem um papel único e insubstituível. Uma mãe, nunca substitui um pai e um pai nunca substitui uma mãe. A configuração concreta desses papéis vai mudando com o tempo e em função de características peculiares de cada pessoa. Mas nunca a ponto de tornar indistinto o que há de ser sempre distinto, porque radica na natureza humana. As dimensões masculina e feminina só em conjunto, na sua complementaridade, compõem a riqueza integral do humano e só a presença simultânea das figuras materna e paterna proporciona à criança o benefício dessa riqueza integral. O progenitor do mesmo sexo, como modelo, ajuda a criança a encontrar a sua própria identidade, tal como o progenitor de sexo oposto lhe permite colher características desse outro sexo que também concorrem para a formação de uma personalidade humanamente completa e equilibrada.
Sempre os tratados de psicologia do desenvolvimento infantil acentuaram a importância dos papéis conjuntos e complementares do pai e da mãe no crescimento e educação da criança. Não são os tão invocados estudos (com metodologias contestáveis, e também contrariados por outros) a invalidar esse dado evidente, que nunca ninguém contestou em “tempo não suspeito”, isto é, antes e para além da polémica da adoção por uniões do mesmo sexo.
E sempre os tribunais, em caso de separação dos progenitores e no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, se esforçaram, e continuam cada vez mais a esforçar-se, por que se mantenha sempre um relacionamento sólido com a mãe e com o pai (precisamente porque o papel de cada um deles é insubstituível).
Se a criança for adotada por duas pessoas do mesmo sexo, será ela a ser discriminada, a ser privada do contributo educacional simultâneo de um pai e de uma mãe, de que gozam as outras crianças, as que são educadas pelos progenitores biológicos.
No fundo, é a riqueza da dualidade e complementaridade dos papéis do pai e da mãe que justifica que, na adoção conjunta, os adotantes sejam dois e não um, três ou mais.
Também não colhe o argumento do “mal menor”, de que a adoção por uniões do mesmo sexo sempre seria preferível à institucionalização das crianças. Porque a adoção nunca pode ser concebida como um “mal menor”, mas como um bem. E porque não há falta de candidatos à adoção, há dificuldades na articulação entre os desejos destes e a situação das crianças a adotar, problema que nunca seria solucionado por esta via, e que deve ser enfrentado de outra forma.
Será ilusório pensar que um tão forte empenho na aprovação desta medida possa ainda ser travado. Mas vale a pena lembrar estas ideias simples e que a muitos parecem evidentes. Ao menos para que não se venha a dizer que nem sequer houve discussão…
Pedro Vaz Patto