A todos impressionou o bárbaro assassinato do padre Jacques Hamel. O próprio Presidente da França, o país da laicidade (que, por vezes, degenera em laicismo), qualificou o ato como «profanação da República». O padre Jacques Hamel juntou o sacrifício da sua vida ao de Jesus Cristo, literal e fisicamente. Como mártir, morreu vítima do ódio à fé (in odium fidei).
Perante este dramático episódio, não foram poucas as vozes que se ouviram a acusar a religião islâmica de estar intrinsecamente ligada à violência e a advogar, por isso, restrições à imigração de muçulmanos.
Em resposta a estas vozes, o Papa Francisco reconheceu que estamos perante uma guerra, mas não uma guerra de religiões. E salientou que o terrorismo não pode ser confundido com o Islão.
Há que identificar na motivação dos autores do homicídio do padre Jacques Hamel uma ideologia de morte que instrumentaliza a religião islâmica com objetivos políticos e que é inimiga da civilização cristã e humanista. Muitas vezes, por detrás das guerras estão interesses económicos, mas também há guerras movidas por ideologias, por ideias perversas, como o atesta a história do século XX.
Por isso, há que denunciar e combater essa ideologia, também no plano das ideias. Daí o importante papel pedagógico que podem desempenhar os muçulmanos que condenam o terrorismo em nome da sua fé. O procurador italiano Armando Spataro, especialista em terrorismo, ao enaltecer o gesto dos muçulmanos que, depois da morte do padre Hamel, quiseram assistir à missa em várias cidades francesas e italianas, em sinal de solidariedade para com os católicos, salientou isso mesmo: «ninguém pode combater o terrorismo sem a ajuda das comunidades islâmicas» (www.lastampa.it, 31/7/2016).
Há quem, porém, recuse a qualificação do Islão como “religião de paz”. O padre egípcio Samir Khalil, S.J., conceituado especialista no tema, tem afirmado com insistência que o Corão e a vida de Maomé contêm elementos de violência e que se continuarmos a dizer que o Islão é uma religião de paz, «só criaremos confusão e perplexidade» (www.asianews.it, 26/7/2016).
Terá alguma razão. Mas, como ele próprio reconhece, essa é apenas uma das possíveis leituras do Islão (que, mesmo assim, não dá cobertura ao terrorismo). Há outras. Independentemente de saber qual a mais fiel, o certo é que com ela não se identifica a maioria dos muçulmanos de hoje, que sabem distinguir o essencial da mensagem espiritual do Corão de particularidades ligadas a contextos históricos ultrapassados. Estes muçulmanos devem ser como tal identificados e encorajados e receber a solidariedade dos cristãos e dos ocidentais, e nunca confundidos com os terroristas (de quem eles também são vítimas, até em maior número).
Deve ser dado relevo, por exemplo, à iniciativa de pensadores muçulmanos A Common Word, que aponta o amor a Deus e ao próximo como “palavra comum” a muçulmanos e cristãos (www.acommonword.com). Ou a declaração de Marraquexe, sobre os direitos das minorias religiosas nos países islâmicos (www.marrakeshdeclaration.org).
É este o sentido que deve ser dado às palavras do Papa Francisco quando fala do Islão como “religião de paz”. Palavras idênticas às de São João Paulo II aquando da sua visita ao Casaquistão poucos dias depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
A alternativa a esta postura é, na verdade, alguma forma de “guerra” entre Islão e cristianismo, ou entre Islão e cultura ocidental. As fraturas que daí decorreriam, num mundo cada vez mais globalizado (em que não é sequer possível isolar os muçulmanos nos seus países de origem, nem é sequer realista pensar que estes se integrarão nas sociedades ocidentais renegando a sua religião), são inimagináveis. E é isso mesmo que querem os terroristas.
Pedro Vaz Patto