Por iniciativa da O.N.U., comemora-se a 20 de fevereiro o Dia Internacional da Justiça Social.
Evocar a justiça social é particularmente oportuno quando olhamos para o estado atual do nosso mundo no que diz respeito à repartição da riqueza.
Segundo um estudo da organização Oxfam International, publicado em janeiro deste ano, intitulado An Economy for the 99%, 1% da população mundial detém uma riqueza equivalente aos restantes 99% e oito pessoas detém uma riqueza equivalente à da metade mais pobre de toda a população mundial. E esta desigualdade vem-se acentuando. Entre os fatores que a explicam contam-se as distorções do sistema fiscal: evasão, paraísos fiscais, reduzida tributação dos rendimentos de capitais face aos rendimentos do trabalho.
Há quem pretenda justificar a desigualdade alegando que a riqueza de poucos pode beneficiar a todos, porque desse modo se estimula o crescimento económico.
É conhecida a tese do filósofo John Rawls: serão legítimas as desigualdades na estrita medida em que elas, por serem condição necessária e suficiente para incentivar a criação de riqueza, beneficiam a sociedade no seu todo, em especial os menos favorecidos. Mas o nível de desigualdade que conhece hoje o mundo (e que conhece a sociedade portuguesa) vai muito para além do que, de acordo com a tese de John Rawls, seria estritamente necessário para incentivar a criação de riqueza e beneficiar, assim, a sociedade no seu todo. A desigualdade assim legitimada seria uma desigualdade mínima, quando conhecemos uma desigualdade máxima. A experiência destes trinta anos tem revelado que os mais desfavorecidos não têm beneficiado todos, mesmo em termos absolutos, do crescimento económico.
Um outro estudo, publicado em maio de 2015, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (O.C.D.E.), intitulado In it together – why less inequality benefits all, revela que a desigualdade a todos prejudica no longo prazo, pois retira oportunidades de investimento na educação e formação, o que funciona como travão do crescimento económico.
O sociólogo Zygmunt Bauman, recentemente falecido, abordou esta questão, baseando-se em estudos vários, no seu livro Does the richness of the few benefits us all? (Polity Press, 2013). A riqueza de poucos não beneficia a todos, porque essa riqueza nem sempre gera investimento e, sobretudo, porque nas sociedades mais desiguais cresce a angústia, a depressão, a criminalidade e o medo (a infelicidade, em suma).
A questão da repartição da riqueza não pode ser vista só à luz do pragmatismo utilitarista, sem atender à justiça. É importante estimular a criação da riqueza. Mas a riqueza criada não o é apenas por alguns. De um empresário ou um gestor depende o sucesso de uma empresa, mas todos os seus trabalhadores para ela contribuem.
Os níveis crescentes de desigualdade colidem, pois, com as exigências da justiça social. Contrariam o princípio do destino universal dos bens (Deus criou os bens da terra para o serviço de todas as pessoas sem exceção), princípio básico da doutrina social da Igreja.
E colidem também com o princípio da fraternidade. Uma sociedade com um abismo tão grande a separar os seus membros não poderá ser uma sociedade com um forte sentimento comum de pertença, coesa, unida e fraterna.
Pedro Vaz Patto