Essa ideia é a de que a proliferação de armas é, por si, um fator que não torna a sociedade mais segura. É importante salientar esta ideia porque há correntes, com grande influência em vários países, que parecem entender o contrário, que a facilitação do acesso à posse de armas e a sua difusão conferiria mais segurança aos cidadãos. A experiência dos países que se deixam influenciar por essa corrente demonstra precisamente o contrário, com recorrentes notícias de morticínios ocasionados por tiroteios. O acesso a uma arma é sempre um perigo potencial. Nunca pode haver garantias absolutas de que essa arma é usada apenas no exercício de uma legítima defesa. A minha (certamente limitada, mas já de alguns anos) experiência profissional como juiz também me faz recordar situações de utilização de armas que desembocaram em desfechos trágicos de perdas de vidas humanas que nunca teriam esse desfecho se não houvesse acesso a essas armas. Algumas dessas situações eram de acidentes. Outras de conflitos de pequena gravidade que, se não fora a utilização da arma, teriam desembocado, na pior das hipóteses, em ofensas à integridade física simples (ou seja, uns murros e bofetadas sem graves consequências).
Partindo desta ideia, parecem-nos de louvar as alterações propostas que vão no sentido mais restritivo e exigente quanto às condições de posse legal de armas. Enuncio apenas um princípio geral, que não entra na análise da maior ou menor correção dessas propostas de um ponto de vista técnico-jurídico.
Também partindo dessa ideia (de que a sociedade só tem a beneficiar com um mais generalizado “desarmamento”) também nos parecem de louvar as propostas de fixação de um período de entrega voluntária de armas em situação ilegal com a consequente isenção de sanções criminais ou contra-ordenacioanis decorrentes dessa ilegalidade. Essa proposta consta da proposta de lei de alteração global do regime das armas e de vários projetos de lei que associam a essa medida a instituição de uma campanha de sensibilização para os benefícios sociais dessa entrega (o que também nos parece de louvar). Essa medida foi já tomada em ocasiões anteriores com o apoio da Comissão Nacional Justiça e Paz e teve algum sucesso. Mas há estimativas que dão conta de que continua a verificar-se a posse de um grande número de armas em situação ilegal Algumas pessoas evitam a entrega dessas armas, que eventualmente receberam a título de herança, apenas porque receiam as sanções decorrentes da ilegalidade dessa posse. Poderão proceder a essa entrega voluntária se lhes for garantida a isenção dessas sanções.
Poderá dizer-se que esta descriminalização generalizada não tem justificação e contraria a função preventiva do sistema penal. Fazem-se eco desta ideia os doutos pareceres apresentados a propósito desta medida pela Procuradoria Geral da República e pela Ordem dos Advogados. Não nos parece que assim seja. Não estamos perante um perdão incondicionado e injustificado, ou ditado por objetivos meramente pragmáticos. Estamos perante um perdão que é contrapartida de um comportamento voluntário e responsável de eliminação da perigosidade ínsita na posse ilegal de armas. O sistema penal conhece situações análogas de redução ou isenção de penas em situações de voluntária reparação dos danos causados pela prática do crime.
Em conclusão, reiteramos a manifestação do nosso apoio a medidas que contribuam para uma sociedade mais pacífica e segura através de uma mais generalizado desarmamento.
Lisboa, 1 de fevereiro de 2019
Pedro Maria Godinho Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz