Comissão Nacional Justiça e Paz

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SER SOLIDÁRIO EM TEMPO DE CRISE Nota da CDJP de Coimbra

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Convoca-nos a realidade pungente de existirem no nosso país cerca de um milhão de pessoas que vivem com menos de 250 Euros por mês. O desemprego, que no distrito de Coimbra aumentou 33,6%, tornou-se um lugar-comum para largas margens da população e um dos impactos mais graves da pandemia recai agora sobre aqueles que, num ápice, se viram sem qualquer fonte de rendimento. Muitas famílias, com uma vida estabilizada até há pouco, vivem agora uma pobreza envergonhada na qual os parcos rendimentos não chegam para a satisfação das necessidades essenciais e dos compromissos assumidos.

Desde o abandono dos mais velhos num mundo rural desertificado, às condições degradantes de tantas habitações; desde o drama de tantos lares ilegais de terceira idade até ao abandono de idosos nos hospitais públicos; desde a falta de cuidados continuados até às crianças cuja fome só é saciada nas escolas, de tudo temos notícia.

Confrange-nos, ainda, a situação dos sem-abrigo, aqueles que estão na rua sem tecto ou lugar, inclusive para realizar seu confinamento. 

Efectivamente, somos cada vez mais um país assimétrico em termos territoriais, sociais e económicos, onde as fracturas são cada vez mais visíveis, mostrando desigualdades que vão desde a estabilidade social e económica de alguns até à incerteza do futuro daqueles para quem o viver o dia seguinte é já uma incógnita; desde uma juventude flagelada pelos baixos salários e o desemprego até uma geração mais velha que, podendo ser privilegiada nalgumas áreas, é muitas vezes o suporte de filhos, e netos.

Não obstante, é reconfortante constatar a forma com o grande parte da sociedade civil se mobilizou para enfrentar o desafio de uma vida e muitas das instituições de solidariedade social, em particular ligadas à Igreja, assumem-se agora como pilares fundamentais na procura de um equilíbrio mínimo em termos de coesão social. As mesmas serão, também, essenciais no retomar da economia.

 Só no último mês mais de 16 mil famílias pediram apoio directo ao Banco Alimentar contra a Fome o que representa cerca de 60 mil pessoas, que acrescem às habitualmente apoiadas pelos diversos Bancos Alimentares espalhados pelo país. 

Não podemos deixar de sublinhar também o enorme esforço que, a nível da região e Diocese de Coimbra, as Misericórdias e uma multiplicidade de associações de solidariedade têm desenvolvido, fundadas no esforço de tantos voluntários, multiplicando as suas energias para corresponderem a um explosivo aumento da procura de auxílio. A título de exemplo a Caritas de Coimbra apoia centenas de pessoas, muitas que sobrevivem com o rendimento social de inserção, o Centro de Acolhimento João Paulo II assiste 260 famílias, enquanto que a Cozinha Económica Rainha Santa Isabel apoia no refeitório social mais de 500 pessoas e são mais de 800 as refeições que, duas vezes ao dia, saem da Associação.

Nestes tempos de desafio vem ao de cima o melhor que temos na nossa natureza humana, mas, infelizmente igualmente aparece a indiferença, e o oportunismo, respaldados na anomia de valores.

Neste contexto não podemos deixar de convocar os cerca de dezassete mil milhões de euros que, desde 2007, foram absorvidos por entidades bancárias na sequência de actos de gestão indigente, quando não criminosa; os investimentos públicos ruinosos, sem transparência e uma real e prévia avaliação social, económica e sustentabilidade, ou os cerca de 18 mil milhões de Euros (9 % do PIB) que se calcula ser o custo da corrupção no nosso país. Tais verbas, gastas em nosso nome sem qualquer benefício real, mas beneficiando uma minoria, quando não uma plutocracia, seriam hoje uma preciosa ajuda para suplantar a crise.

É importante que se aprenda com os erros cometidos a lição, avaliando com objectividade e transparência os investimentos que agora se anunciam e o suposto dinheiro “fácil” anunciado pelas instâncias europeias.

O nosso país não pode ser gerido em obediência a meros interesses privados ilícitos, desprezando o sentido do bem comum.

Em termos de futuro é função essencial do Estado encontrar medidas concretas que visem enfrentar da crise social e económica, concebendo uma estratégia global e coerente. Situações excepcionais reclamam medidas excepcionais e só estas podem evitar essa imensa chaga social que é o desemprego e colmatar superar positivamente a crise,

Saibamos reconhecer quem trabalha, e gere, em prol do desenvolvimento e bem-comum, sejam entidades públicas, privadas e do terceiro sector da economia.

As instituições sociais, como todo o terceiro pilar ou sector da economia, são essenciais no retomar da economia, criação e oferta de empregos.

Igualmente aglutinador, e motivador, surge o papel das autarquias locais, dos Municípios e freguesias, que têm assumindo estratégias e adoptado medidas práticas que se mostraram, foram e são essenciais no colmatar, à escala local, das fracturas sociais e económicas.

Não pode deixar de se referenciar também o esforço desenvolvido pelas empresas que, num momento complexo e difícil, assumem os seus compromissos e defendem os postos de trabalho dos seus funcionários.    

Porém, se a resposta institucional é fulcral, o papel de cada um de nós, como referido, é insubstituível. A crise não atinge todos por igual e sobre os que mais podem recai um dever de solidariedade, também ele sem precedentes, contribuindo para uma maior justiça social. A solidariedade deve fazer parte do nosso léxico de todos os dias e são múltiplas as formas pelas quais podemos ajudar a mudar para um mundo melhor

No atravessar desta “Pandemia da Fome” os católicos, como todos os cidadãos, têm uma responsabilidade acrescida que advém do Evangelho indo ao encontro dos mais necessitados, vivendo a fraternidade e a solidariedade. Parafraseando Madre Teresa de Calcutá a nossa contribuição pode ser uma gota no oceano, mas sem ela o oceano será menor.

Neste momento difícil da história da Humanidade, e como afirmou o Papa Francisco, «estamos todos no mesmo barco e ninguém se salva sozinho».

                                                                                                                                                                                                                                                                      Coimbra, 19 de Junho de 2020

                                                                                                                                                                                                                                                         Comissão Diocesana de Coimbra Justiça e Paz