Em Portugal, vivem cidadãos portugueses que, por partilharem uma origem e cultura comuns, são reconhecidos como ciganos. Este traço identitário é mais um dos sinais da magnífica diversidade que caracteriza a nossa sociedade, não podendo ser nunca pretexto para apontar alguns grupos como menores ou adjacentes. A Comissão Nacional Justiça e Paz considera que frequentes afirmações públicas acerca destes cidadãos são injustas e incorretas, revelam desconhecimento, evidenciam preconceitos, são profundamente discriminatórias.
Chegaram a Portugal há cerca de 500 anos, aqui se instalaram, constituíram as suas famílias, e participaram na nossa construção e desenvolvimento comuns, como outros grupos o fizeram. Presume-se que representem cerca de 0,5% da população portuguesa. Sabe-se que um número significativo, aproximadamente metade, permanece numa situação de pobreza extrema e exclusão.
O conhecimento deste grupo de cidadãos portugueses permanece refém de estereotipias e preconceitos. O medo do diverso, do que não se conhece, favoreceu ao longo dos tempos o fechamento dos grupos e a consolidação de perceções que foram sendo veiculadas e afirmadas publicamente, induzindo comportamentos discriminatórios e excludentes.
Classificar um grupo de pessoas, globalmente, como subsídiodependentes, parasitas que não querem trabalhar, é injusto e infundado, revela desconhecimento acerca de uma realidade que é múltipla, complexa e diversificada, que permanece fechada num quase gueto de isolamento e discriminação. Se se perguntar quem dá trabalho a um cidadão, português cigano, quantos, em verdade, responderão afirmativamente?
A sociedade portuguesa, caracterizada como de um Estado de Direito, alicerçado nos direitos humanos, promotor da inclusão, tem ainda um longo caminho a percorrer. As políticas públicas, destinadas a todos, tardam a ser integralmente aplicadas a este grupo de cidadãos. Basta pensar em decisões, institucionais que permitiram que o direito à educação das meninas ciganas não se realizasse em nome da “identidade cultural”.
A declaração de Abu Dhabi, assinada pelo Papa Francisco e pelo grande Imã de Al-Azhar em 4 de fevereiro de 2019 e que serviu de inspiração à encíclica Fratelli tutti, apela ao reconhecimento e implementação do conceito de cidadania plena. Nesta declaração afirma-se que «o conceito de cidadania baseia-se na igualdade dos direitos e dos deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso, é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade; isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os».
Em outubro de 2020, a União Europeia aprovou um novo quadro estratégico (2020/2030) para a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos assente em sete domínios principais (igualdade, inclusão, participação, educação, emprego, saúde e habitação), fixando metas e definindo indicadores de monitorização da execução dos objetivos políticos, para o qual convoca o envolvimento de todos os Estados-membros. («onde está a essência da humanidade quando todos os dias cidadãos ciganos são excluídos da sociedade…?» - Presidente Von der Leyen)
A Comissão Nacional Justiça e Paz, reconhecendo embora alguns impactos positivos da ação política decorrente do consagrado na Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, constata a persistente situação de extrema pobreza e exclusão nestas comunidades e apela ao reforço da implementação das políticas públicas de inclusão social a elas dirigidas, nomeadamente nas áreas da habitação, da educação e do emprego.
A Comissão Nacional Justiça e Paz apela ainda ao reconhecimento e implementação deste conceito de cidadania plena, inclusivo, que recusa estigmas e práticas discriminatórias e excludentes, que exige o conhecimento de cada parte e a sua aproximação, que é promotor da igualdade e da justiça. Assim, para que ninguém fique para trás, e tal como é proclamado na declaração Abu Dhabi, considera urgente «a adoção de uma cultura de diálogo, a cooperação mútua como código de conduta, a compreensão recíproca como método padrão».
Lisboa, 1 de março de 2021
A Comissão Nacional Justiça e Paz