1) Contexto: Nos próximos anos, os cidadãos da União Europeia são chamados a contribuir para a Conferência sobre o Futuro da Europa. Esta iniciativa, um projeto conjunto da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia (UE), irá abrir um amplo debate sobre a próxima década e seguintes da UE. O ano de 2021 será também o primeiro ano do pós-Brexit, com a necessidade de reconstruir relações positivas entre o Reino Unido e os seus vizinhos.
Neste contexto, a Justiça e Paz Europa decidiu focar a sua Ação Concertada de 2021 na exploração de antigas e novas formas de diálogo como a chave para o futuro de uma Europa comum e fecunda, um futuro que inclui e cuida de todos os povos e nações europeias, independentemente de estarem ou não na União Europeia.
2) Desafios: A UE e as suas instituições tem emergido em ondas sucessivas desde a Segunda Guerra Mundial. À medida que evoluiu por meio de fases alternadas de aprofundamento institucional e expansão geográfica, desenvolveu métodos pacíficos para equilibrar interesses (económicos), perspetivas (geográficas) e perceções (históricas) entre os Europeus. No entanto, nos últimos 15 anos, a União Europeia tem sido confrontada com a falta de solidariedade perante os desafios institucionais, financeiros e migratórios.
É agora confrontada com um enorme desafio de saúde pública, de aumento das desigualdades, de instabilidade nas suas fronteiras (Líbia, Ucrânia, Turquia, Bielorrússia), de ascensão de movimentos de extrema-direita e de sociedades cada vez mais polarizadas, bem como a decisão do Reino Unido de sair da UE. Claramente, há sinais de um divórcio entre a UE e uma parte significativa dos seus cidadãos. O sucesso e o potencial futuro da UE merecem e exigem novas iniciativas, desejadas tanto pelos eleitos como pelos cidadãos, para melhorar a credibilidade da UE e aumentar o sentido de pertença cívica dos cidadãos em relação às suas instituições e às suas políticas.
3) Diagnóstico: Em geral, apesar das suas conquistas muito concretas na promoção da paz e prosperidade, as instituições da União Europeia são, no entanto, frequentemente vistas como administrações burocráticas distantes, ao serviço das necessidades das élites culturais, económicas e políticas. Devido a uma série de fatores, o desenvolvimento do projeto europeu ficou aquém nos seus esforços para enfrentar alguns desafios-chave da história recente. Em particular, a UE, os governos e os seus políticos eleitos não conseguiram construir um sistema coerente e uma estratégia comum nas áreas de defesa e de negócios estrangeiros; não concordaram em disposições fundamentais do Tratado relativas a uma "Europa Social" que possa lidar adequadamente com o aumento das desigualdades e da pobreza dentro do vasto mercado comum; não tiveram sucesso em convencer as nações europeias a apoiarem-se totalmente umas às outras ao enfrentarem a instabilidade financeira ou os desafios das migrações. Acima de tudo, não conseguiram ligar-se às pessoas, apesar do apoio da UE aos territórios e línguas locais, à educação, a projetos de investigação, infraestruturas, etc. Outras instituições, como o Conselho da Europa e a OSCE, defendem ativamente a democracia e os direitos humanos e são mais inclusivos do que a UE. No entanto, elas também se confrontam com problemas, e o seu trabalho de apoio e defesa dessas causas permanece pouco conhecido ou apreciado pelos cidadãos europeus. Nos últimos anos, partidos e líderes populistas têm atraído eleitores desencantados e preocupados, usando uma retórica nacionalista inflamada, num jogo destrutivo de culpabilização.
4) Um ponto de viragem: O impacto da pandemia de Covid-19 em 2020 revelou tanto a necessidade como o desejo de mudança. Foi acordado um pacote financeiro conjunto da UE de vários biliões de euros para permitir uma solidariedade financeira concreta com os países e regiões mais gravemente afetados pela crise económica e social provocada pela pandemia do Coronavírus. Os líderes da UE demonstraram que as negociações multilaterais, através de trabalho árduo, podem ultrapassar as diferenças. Pode chegar-se a compromissos para um bem comum, levando em consideração as necessidades básicas e receios de cada parte.
Para a UE aumentar a sua credibilidade e legitimidade junto dos seus cidadãos, deve expandir este acto de solidariedade a outros campos, que vão desde a saúde pública e a justiça social até à cooperação externa, da migração até aos desafios ambientais. A UE só será reconhecida pelos seus cidadãos se for capaz de combinar prosperidade e coesão social, promover estabilidade geopolítica e proteger o meio ambiente. Além disso, não podem ser encontradas chaves para transições justas sem um diálogo equilibrado e respeitoso com os países vizinhos.
Neste aspeto, o Brexit exige claramente uma nova perspetiva. Além disso, o Conselho da Europa, a OSCE e também a NATO têm tarefas importantes a cumprir dentro e fora da Europa. A UE deve, por isso, promover novos e reais encontros com essas organizações com o objetivo de alcançar o bem comum. Cada uma delas pode tornar-se num lugar para os cidadãos europeus se encontrarem e trabalharem juntos nos âmbitos da segurança partilhada, das migrações orientadas, dos direitos e das responsabilidades.
5) Convicção: Além da negociação das crises, o diálogo é a chave para transições justas. A resolução de conflitos por meio do diálogo multilateral – ainda que abrindo caminho através de uma selva de burocracia - tem sido uma marca das instituições europeias, especialmente da UE. Permanece altamente preferível aos campos de batalha e mais eficaz do que as negociações bilaterais.
As interações multilaterais e a vários níveis dão experiência, coerência e força quando enfrentam desafios maiores, quando negoceiam com outras potências mundiais. Aprendemos com a história que o diálogo requer estrutura, empenho e respeito. À medida que desenvolvemos métodos de diálogo adequados aos nossos tempos, devemos demonstrar fidelidade às nossas raízes e valores comuns (o Estado de Direito, o respeito pelos procedimentos democráticos), autenticidade no empenho (reconhecendo vulnerabilidades, riscos e erros de forma transparente, abordando as imperfeições) e um profundo respeito pela identidade e receios de cada participante. A diversidade de línguas, religiões, nacionalidades, experiência da história, compreensão da Europa, devem ser conservadas como expressões da nossa herança comum, em vez de obstáculos a serem apagados ou superados. Na verdade, o diálogo deve basear-se na subsidiariedade, promovendo um sentido de autonomia local e criatividade; e devemos ter sempre em mente o que nos une.
O diálogo em cada organismo europeu também deve manter uma porta aberta para os cidadãos que não pertencem, e, aliás, também para pessoas que vivem noutras partes do mundo. Na verdade, para que as decisões sejam sentidas pelos cidadãos como suas, as instituições e os líderes devem regozijar-se com a diversidade, ao mesmo tempo que unem forças na adversidade. O verdadeiro diálogo mantém a liderança e a escuta, a unidade e a diversidade, em equilíbrio. É o método que cria a confiança necessária para lidar com as crises, focados no bem comum, em vez do mínimo denominador comum.
6) Compromisso: o diálogo é uma chave, o diálogo é também praxis.
A Justiça e Paz Europa - como uma rede cristã e através das suas comissões – tem praticado o diálogo durante décadas. Inspirados no Evangelho, impulsionados pela Encíclica Fratelli Tutti, iremos envolver-nos ativamente tanto na estrutura, como no conteúdo dos próximos diálogos na Europa. Continuaremos empenhados na Conferência de ONGs no Conselho da Europa. Participaremos na Conferência sobre o Futuro da Europa criando espaços de diálogo e experimentando novos métodos de diálogo.
No espírito da Fratelli Tutti, continuaremos a ouvir cada uma das partes interessadas, bem como a ter em conta o cuidado e a inclusão dos nossos próximos mais marginalizados. Também iremos apelar a um conjunto de regras da UE para um diálogo respeitoso nas redes sociais, sabendo que os regulamentos europeus têm o poder de estabelecer um precedente a nível global.
As comissões nacionais da Justiça e Paz irão, sempre que possível, discutir com políticos e representantes da sociedade civil sobre formas de fortalecer encontros que possam levar a uma mudança real.
Esperamos que estes diálogos renovados ajudem as instituições europeias a adaptar-se às condições novas e em evolução dos nossos tempos.