I - Na efervescência dos dias que correm, é cada vez maior atenção e a consciência, assim se espera, da Humanidade sobre o estado do ambiente, a crise climática e a necessidade de, com urgência, enfrentar as suas consequências. Como afirmou o Secretário-Geral da ONU tudo indica que a realidade é pior do que as piores previsões feitas e as metas sobre as alterações climáticas definidas no Acordo de Paris já não são suficientes. "Se forem cumpridas, chegaremos ao final do século com mais três graus, o que é uma catástrofe absoluta", salienta António Guterres.
A mensagem que o Papa Francisco enviou à ONU, em 4 de junho de 2021, na véspera do Dia Mundial do Ambiente em que se iniciou a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas , sublinha e recorda-nos que “tudo está ligado” e que “restaurar a natureza que danificámos significa, antes de mais, restaurarmo-nos a nós próprios”.
A tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever, comum e universal, de respeitar um bem coletivo. Do mesmo retiram-se três exigências: necessidade de «respeitar a integridade e os ritmos da natureza»; assumir que “toda atividade económica que se valer dos recursos naturais deve também preocupar-se com a salvaguarda do ambiente e prever-lhe os custos, que devem ser considerados incorporados como «um item essencial dos custos da atividade económica»; reconhecer que “os graves problemas ecológicos exigem uma efetiva mudança de mentalidade que induza a adotar novos estilos de vida”.
O Futuro só é possível respeitando esta Terra que é a nossa casa comum.
II - Um aquecimento de 3º ou de 3,5 graus na temperatura do planeta desencadeará um sofrimento para além de tudo aquilo que os seres humanos experimentaram ao longo dos milénios.
Na verdade, estamos a percorrer rapidamente um caminho que nos conduz, com grande probabilidade, a um aumento de mais de 4ºC de aquecimento até ao ano 2100. Segundo algumas estimativas tal significará que regiões inteiras de África e da Austrália e dos Estados Unidos, partes da América do Sul a norte da Patagónia, e a Ásia a sul da Sibéria ficarão inabitáveis por causa do calor directo, da desertificação e de inundações. Paralelamente tal significará que o planeta foi levado à beira de uma catástrofe climática numa só geração.
Por outras palavras, as temperaturas poderão acabar por aumentar até cerca do dobro daquilo que o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) prevê. Mesmo se atingirmos as metas de Paris tal poderá significar que as florestas tropicais do planeta sejam transformadas em savanas consumidas por incêndios. Artigos científicos recentes sugeriram que o aquecimento poderia ser ainda mais dramático implicando riscos graves para a habitabilidade de todo o planeta.
Por seu turno as projecções das Nações Unidas apontam para 200 milhões de refugiados climáticos por volta de 2050. No limite, diz a mesma Organização, aquilo que é possível nos próximos trinta anos é consideravelmente pior pois que mil milhões, ou mais, são pessoas pobres, vulneráveis, cuja única escolha será fugir.
III - É neste contexto e porque “nada deste mundo nos é [pode ser] indiferente” que, no âmbito da preparação e objectivos que se pretendem com este colóquio tendo por tema “eu Futuro Para a Terra”, os organizadores-Comissão Diocesana Justiça e Paz; Seminário Maior de Coimbra e Coimbra Business School/ISCAC e ACEGE colocam à discussão no espaço público e na sociedade civil os seguintes pontos e propostas de/para reflexão:
I - Implementação dos princípios e orientações que informam a Lei de Bases do Clima (Lei 98/2021 de 31 de Dezembro) visando a implementação de medidas e politicas integradas (e não meras boas intenções) e garantam medidas de adaptação, conservação e gestão de recursos (seja á água, o solo, agricultura, energéticos não fósseis …) e adequado enquadramento social.
II - Necessidade duma urgente implementação do de um Plano Estratégico de Combate Desertificação humana e física, com relevo para a prevista penúria da água e a necessidade duma gestão eficaz do sistema hídrico nacional (reconhecendo a água como um recurso e bem publico essencial à vida e que exige o cuidado de todos) e protecção dos solos, coberto vegetal e ecossistemas.
III - O que exige a efectivação de uma estratégia de fixação de pessoas nas áreas de menor densidade e mesmo a seu reconhecimento como os primeiros agentes de protecção e valorização dos valores e património natural existente Considera-se relevante a necessidade duma política integrada de protecção do solo e gestão sustentada, modernizada e eficaz da agricultura e da floresta, privilegiando (prioritariamente) as zonas mais desfavorecidas e desertificadas, física e humanamente, assegurando um impacto positivo no ambiente; apoiar e executar um plano de reflorestação que assegure o reforço de áreas florestadas com espécies autóctones (p.e. assumindo desde já o objectivo de plantar 10 árvores autóctones por cada português até 2025.
IV - Promoção da “saúde” do mar e dos rios com um plano de protecção, limpeza e despoluição adequado, eliminando descargas descontroladas e recolhendo os resíduos e detritos acumulados, nomeadamente com origem no plástico.
V - Implementação duma economia circular com vista à adequada utilização dos recursos naturais locais e redução ao mínimo os resíduos não recicláveis.
VI - Realça-se a importância de as medidas fiscais apoio que visam o incentivo à eficiência energética na edificação (formas passivas de conservação de energia) e reabilitação urbana, bem como de planos de desenvolvimento e qualificação urbana, fundados num urbanismo de rosto humano, que introduzam objectivamente medidas e soluções de gestão adequada de recursos (em particular água e solo) e mobilidade sustentada; bem como à transição para sistemas de energia renovável de pequena escala, focados localmente e ecologicamente sustentáveis.
VII - Julga-se relevante a promoção da utilização do transporte público e a mobilidade suave e a penalização do transporte motorizado privado.
VIII - Apoiar (incluindo financeiramente) e difundir projectos industriais que promovam a investigação tecnológica e soluções práticas de adaptação do sector aos desafios da digitalização da descarbonização, da transição ecológica e da globalização.
IX - É igualmente necessária a criação duma entidade capaz de cobrir eficazmente a integralidade do território do país[1] e de cada região, dotada de adequados recursos humanos e materiais, altamente especializada, vocacionada para a investigação e punição dos delitos e desperdícios ambientais (incluindo energéticos), protegendo o solo, o ar e a água, tornando efectivo os princípios do utilizador-pagador e do poluidor-pagador.
X - Importa promover a energia e eficiência no uso de água - Produzir energia limpa é essencial, mas reduzir nosso consumo de energia e água ao usarmos dispositivos mais eficientes.
XI - Agricultura sustentável e gestão florestal - Incentivar o melhor uso dos recursos naturais, impedir o desmatamento em massa e tornar a agricultura mais ecológica e mais eficiente também deverá ser uma prioridade.
XII - Salienta-se a importância da inclusão, em todas as escolas secundárias, profissionais e superiores de “uma unidade curricular” obrigatória dedicada à emergência ambiental e à transição energética, ajudando a preparar cidadãos informados e quadros de todas as áreas do saber para dar uma resposta global a este desafio.
Em última análise,
A resolução desta «crise ecológica e emergência climática» é essencial – importa sempre recordar - para assegurar a justiça e a paz no mundo.
Todos nós, cidadãos e comunidades, temos um papel fundamental a desempenhar, mas a situação actual reforça o sentir de que os nossos esforços só serão eficazes com uma mudança global sistémica, apoiada por políticas transformadoras globais, integradas e “orientada para uma ecologia integral ao serviço do Homem” e aplicadas de forma persistente.
Não basta organizar uma Cimeira, fazer alguns apelos e reconhecer a emergência, enquanto pouco se faz para resolvê-la. O compromisso real é demonstrado, pela nossa acção pessoal e colectiva concreta e pelas metas políticas, financeiras e pela implementação de medidas de emissões reduzidas.
A real integridade é demonstrada na coerência na implementação de políticas socialmente justas, requisito básico para alcançar os objectivos necessários e a paz.
O dever moral de agir é sem precedentes.
A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra
Seminário Maior de Coimbra
Coimbra Business School/ ISCAC
Associação Cristã de Empresários e Gestores