Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2018, o Papa afirmou que os imigrantes «não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem».
Há quem tema o choque que possa resultar do encontro com imigrantes de culturas diferentes da nossa. Sendo certo que a maior parte dos imigrantes que chegam até nós partilham a nossa língua e, nessa medida, nos são culturalmente próximos, também o Papa tem sublinhado como o diálogo de culturas se traduz num enriquecimento recíproco (e a história do nosso país também o atesta). Na sua encíclica Fratelli tutti, ele afirma: «Toda a cultura saudável é por natureza aberta e acolhedora, não estática» (n. 146). E disse noutra ocasião (no discurso que deixou escrito quando visitou a Universidade Roma Tre, em 17 de fevereiro de 2017): «Uma cultura consolida-se através da abertura e do confronto com as outras culturas, desde que haja uma consciência clara e madura dos seus princípios e valores».
Mas não podemos limitar-nos, egoisticamente, a atender ao bem que os imigrantes podem trazer ao nosso país, esquecendo o bem que as migrações podem representar para eles próprios e para os seus países de origem.
Há que encarar as migrações na perspetiva da justiça social, à luz do princípio do destino universal dos bens. «Todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja» - diz o Papa Francisco na referida mensagem de 2018, citando o Papa Bento XVI. As migrações podem contribuir para concretizar este direito.
Também isso se afirma na encíclica Fratelli tutti. Cada nação é co-responsável pelo desenvolvimento de todas as pessoas, o que pode traduzir-se de dois modos, que não se excluem mutuamente: no acolhimento de imigrantes e no contributo para o desenvolvimento dos países de origem destes (n. 125). É verdade que o ideal seria que a emigração não fosse necessária para superar a pobreza, mas enquanto não houver sérios progressos no sentido do desenvolvimento dos países pobres, há que reconhecer o direito de cada pessoa a encontrar um lugar onde não só possa satisfazer necessidades básicas, mas também realizar-se plenamente como pessoa (n. 129).
Porque, na verdade se trata da realização plena como pessoa (os imigrantes não podem ser encarados apenas como “mão de obra”), nunca é demais sublinhar a importância do seu direito ao reagrupamento familiar.
É bom que estas palavras tenham um particular eco em Portugal, um país marcado pela emigração desde há séculos. Vem a propósito recordar o Antigo Testamento: «O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque foste estrangeiro na terra do Egito» (Lv 19, 34). O desafio é, então, o de tratar os imigrantes que chegam até nós como gostaríamos que fossem tratados os nossos irmãos que emigraram, e emigram, para outros países.
Deverá continuar a ser sempre para nós motivo de orgulho patriótico e de alegria que os imigrantes queiram viver em Portugal por ser um país acolhedor onde se sentem em casa. Deverá ser motivo de vergonha e de tristeza que aqui se sintam hostilizados e vítimas de discriminação e injustiça.
Lisboa, 17 Setembro de 2024
A Comissão Nacional Justiça e Paz