Por ocasião do aniversário do ataque do Hamas a Israel, de 7 de outubro de 2023, a Comissão Nacional Justiça e Paz considera oportuno divulgar a seguinte declaração do patriarca emérito de Jerusalém Michel Sabbah e dos membros do grupo Christian Reflection (com sede em Jerusalém), que traça as raízes do conflito no Médio Oriente, cujas raízes religiosas nega, e em relação ao qual apela à intervenção da comunidade internacional para uma paz justa e duradoura, para além das barreiras de cada identidade (o texto original pode ser consultado na página web da Conferência Episcopal Sul-Africana https: //sacbc.org.za/christian-reflection-from-jerusalem/)
MANTER VIVA A ESPERANÇA
Depois de um ano de guerra incessante, enquanto o ciclo de morte continua imparável, sentimos a necessidade, como cristãos e como cidadãos, de procurar a esperança que vem da nossa fé.
Primeiro, devemos admitir que estamos exaustos, paralisados pela dor e pelo medo. O nosso olhar está fixado na escuridão. Toda a região está tomada por um derramamento de sangue que continua a crescer e não poupa ninguém. Diante dos nossos olhos, a nossa querida Terra Santa e toda a região estão reduzidas a ruínas.
Todos os dias lamentamos as dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças que foram mortos ou feridos, especialmente em Gaza, mas também na Cisjordânia, em Israel, no Líbano e noutros locais, na Síria, no Iémen, no Iraque e no Irão. Estamos indignados com a devastação causada em toda esta área.
Em Gaza, casas, escolas, hospitais e bairros inteiros são agora montes de escombros. A doença, a fome e o desespero reinam supremos. Será este o modelo daquilo em que a nossa região se há de tornar? À nossa volta, a economia está em ruínas, o acesso ao emprego está bloqueado e as famílias lutam para colocar comida na mesa. Em Israel, muitos estão de luto, vivendo em ansiedade e medo. Tem de haver outro caminho!
Uma catástrofe que começou há muitos anos
A nossa catástrofe não começou em 7 de outubro de 2023. Os ciclos de violência têm sido intermináveis, começando em 1917, atingindo o pico em 1948 e 1967, e continuando desde então até hoje. E hoje, o sonho sionista de um lar seguro para os judeus num Estado judeu chamado Israel trouxe segurança aos judeus? E aos palestinianos? Eles ficaram presos na realidade da morte, do exílio e do abandono durante demasiado tempo, esperando enquanto exigiam persistentemente o direito de permanecer nas suas terras, nas suas cidades e nas suas aldeias.
Incrivelmente, a comunidade internacional olha para este drama quase impassivelmente. Os apelos a um cessar-fogo para pôr fim à devastação são repetidos sem qualquer tentativa significativa de controlar aqueles que provocam o caos. As armas de destruição maciça e os meios para cometer crimes contra a humanidade convergem nesta região.
Não é uma guerra religiosa
Enquanto tudo isto continua, muitas perguntas ecoam: quando terminará isto? Quanto tempo podemos sobreviver assim? Qual é o futuro dos nossos filhos? Devemos emigrar? Como cristãos, também enfrentamos outros dilemas: Será esta uma guerra na qual somos apenas espetadores passivos? Qual é a nossa posição neste conflito, muitas vezes apresentado como uma luta entre judeus e muçulmanos, entre Israel, por um lado, e o Hamas e o Hezbollah apoiados pelo Irão, por outro? Esta é uma guerra religiosa? Deveríamos isolar-nos na segurança precária das nossas comunidades cristãs, isolando-nos do que está a acontecer à nossa volta? Devemos simplesmente observar e orar à margem, esperando que esta guerra acabe por passar?
A resposta é um sonoro “não”. Esta não é uma guerra religiosa.
E devemos tomar partido ativamente, pelo lado da justiça e da paz, da liberdade e da igualdade. Devemos apoiar todos aqueles, muçulmanos, judeus e cristãos, que procuram acabar com a morte e a destruição. Fazemos isto por causa da nossa fé num Deus vivo e da nossa crença de que devemos construir um futuro juntos. Embora a nossa comunidade cristã seja pequena, Jesus lembra-nos que a nossa presença é poderosa.
Ser um fermento de paz
Confiantes na sua Ressurreição, temos a vocação de ser como fermento na massa da sociedade. Com as nossas orações, a nossa solidariedade, o nosso serviço e a nossa esperança viva, devemos encorajar todos aqueles que nos rodeiam, qualquer que seja a fé que professem, bem como aqueles que não têm fé, a encontrar a força para sair da nossa exaustão coletiva e encontrar um caminho seguir.
Mas nenhum de nós pode fazer isso sozinho. Recorramos aos nossos líderes religiosos cristãos, aos nossos bispos e aos nossos sacerdotes em busca de palavras de orientação. Precisamos que os nossos pastores nos ajudem a compreender a força que temos quando estamos juntos. Sozinhos, cada um de nós está isolado e silenciado. Só juntos poderemos encontrar os recursos para enfrentar estes desafios.
No cansaço e no desespero, lembramo-nos do paralítico (Mc 2,1-12) que não conseguia levantar-se. Só quando os amigos o pegaram ao colo, quando usaram a imaginação para fazer um buraco no telhado e o levaram na sua enxerga, é que ele conseguiu chegar até Jesus, que lhe disse: “Levanta-te e caminha”.
É assim também connosco. Devemos apoiar-nos uns aos outros se quisermos avançar. Devemos usar a nossa imaginação, enraizada em Cristo, para encontrar aberturas onde aparentemente não existem. Quando atingimos os limites da nossa esperança, juntos apoiamo-nos uns aos outros enquanto nos voltamos para Deus e pedimos ajuda. Precisamos desta ajuda para não desesperarmos, para não cairmos na armadilha do ódio.
É a fé que nos faz pedir a paz na justiça
A nossa fé na Ressurreição ensina-nos que todos os seres humanos devem ser amados, iguais, criados à imagem de Deus, filhos de Deus e irmãos e irmãs uns dos outros. A nossa crença na dignidade de cada pessoa humana manifesta-se no nosso serviço à comunidade em geral. As nossas escolas, hospitais e serviços sociais são locais onde cuidamos de todos os necessitados, indiscriminadamente.
É também a nossa fé que nos leva a dizer a verdade e a opor-nos à injustiça. Acreditamos na paz que Jesus nos deu e que não pode ser tirada. “Porque ele é a nossa paz” (Ef 2:14). Não devemos ter medo de falar contra todas as formas de violência, morte provocada e desumanização. A nossa fé torna-nos porta-vozes de uma terra sem muros, sem discriminação, porta-vozes de uma terra de igualdade e liberdade para todos, de um futuro em que possamos viver juntos.
Só conheceremos a paz quando a tragédia do povo palestiniano terminar. Só então os israelitas poderão desfrutar de segurança. Precisamos de um acordo de paz definitivo entre estes dois parceiros e não de um cessar-fogo temporário ou de soluções temporárias. A enorme força militar de Israel pode destruir e trazer a morte, pode eliminar líderes políticos e militares e qualquer pessoa que se atreva a levantar-se e a opor-se à ocupação e à discriminação. Contudo, não pode trazer a segurança de que os israelitas necessitam.
O futuro está para além das barreiras
A comunidade internacional deve ajudar-nos, reconhecendo que a causa profunda desta guerra é a negação do direito do povo palestiniano de viver na sua terra, livre e igual. Um futuro pacífico depende de uma unidade que se estenda para além da nossa comunidade. Somos um só povo, cristãos e muçulmanos. Juntos, devemos procurar o caminho para além dos ciclos de violência. Juntos devemos dialogar com os judeus israelitas que também estão cansados da retórica, das mentiras, das ideologias de morte e destruição.
Lancemo-nos ao caminho, apoiando-nos uns aos outros. Mantenhamos viva a esperança, sabendo que a paz é possível. Será difícil, mas lembremo-nos de que já vivemos juntos nesta terra, muçulmanos, judeus e cristãos.
Haverá muitos momentos em que a estrada parecerá bloqueada. Mas juntos construiremos um caminho, enraizado na esperança de Deus, e «a esperança não engana» (Rm 5,5). A nossa esperança está em Deus, em nós mesmos e em cada ser humano a quem Deus concede um pouco da sua bondade.
Sua Beatitude o Patriarca Michel Sabbah e os membros da Christian Reflection