Comissão Nacional Justiça e Paz

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A PROMESSA DE PAZ NA EUROPA

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A promessa de paz da Europa: Integrar a segurança humana e a paz justa nas políticas da União Europeia

Uma declaração da Pax Christi Internacional, Justiça e Paz Europa e Comunidade de Santo Egídio Bélgica

Como organizações católicas, estamos unidas na defesa de uma União Europeia que dê prioridade à Paz Justa, tal como foi concebida pelos seus Fundadores. A história da reconciliação entre os Estados membros da Comunidade Europeia mostrou-nos que, para uma paz sustentável e duradoura, não basta conceber a paz como a mera ausência de guerra. Pelo contrário, é necessário abordar todas as dimensões da paz para alcançar uma paz sustentável e duradoura.

Assim, gostaríamos de recordar à UE e aos seus Estados-Membros o seu compromisso fundamental para com esta visão abrangente da paz. Este compromisso inclui a defesa da dignidade humana e da justiça para todos, a valorização do diálogo como meio privilegiado de resolução de conflitos, a prossecução de uma cooperação económica baseada em valores e o investimento na educação para a paz, a fim de promover a compreensão e o respeito mútuos. Se abraçar plenamente o seu potencial de resolução de conflitos através de meios não violentos, acreditamos que a União Europeia pode acender lâmpadas de esperança nestes tempos sombrios para a humanidade, marcados por guerras e divisões, atuando como uma força unida, confiante e integradora, que preza os princípios democráticos e o Estado de direito, dentro e fora das suas fronteiras. Para alcançar este objetivo, a segurança deve ser entendida numa perspetiva mais ampla e de longo prazo.

Deste modo, instamos os decisores europeus a orientarem as suas prioridades para uma segurança integral e sustentável na perspetiva de uma paz justa e duradoura. A este respeito, encorajamo-los especialmente a considerar as seguintes ações

1. Reafirmar o direito internacional, os direitos humanos e renovar as instituições multilaterais

Reafirmar o direito internacional e os direitos humanos

Exortamos a UE e os seus Estados-Membros a defenderem firmemente o restabelecimento da adesão ao Direito Internacional, com especial destaque para o princípio da não agressão consagrado na Carta das Nações Unidas, a salvaguarda e a aplicação dos direitos humanos e o cumprimento do Direito Internacional Humanitário. A defesa destes princípios fundamentais é essencial para promover a paz e a estabilidade, tanto na União Europeia como a nível mundial.

Revitalizar e reformar as instituições multilaterais

Num mundo cada vez mais fragmentado, a revitalização e a reforma das principais instituições multilaterais, como as Nações Unidas (ONU) e a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), são cruciais para uma governação mundial eficaz e para a resolução de conflitos. A UE e os seus Estados-Membros devem promover uma abordagem global para esta revitalização, em consonância com o apelo do Papa Francisco a uma reconfiguração do multilateralismo que tenha origem “a partir de baixo”, em vez de ser exclusivamente determinado pelas elites. O reforço destas instituições, centrado na dignidade humana, no Estado de direito e na paz sustentável, promoverá uma ordem internacional mais inclusiva e cooperativa, capaz de enfrentar os complexos desafios do século XXI.

2. Intensificação dos esforços diplomáticos e prossecução de uma abordagem integral da paz

Dar prioridade à Diplomacia Construtiva para a Resolução de Conflitos

A diplomacia construtiva, na sua essência, dá prioridade à proteção da dignidade humana e dos direitos humanos, com o potencial de alcançar uma paz justa. A sua aplicação efetiva significa abordar as causas profundas dos conflitos, honrar todas as vítimas e o seu sofrimento e impedir a perpetuação das injustiças. Por conseguinte, apelamos à UE para que intensifique os seus esforços diplomáticos em consonância com estes princípios, tanto a nível mundial como local, a fim de desanuviar as tensões e facilitar resoluções pacíficas e não violentas, contribuindo assim para uma ordem internacional mais estável e segura.

Sublinhar a interligação entre a paz e a justiça e abordar os conflitos “invisíveis”

A paz e a justiça estão profundamente interligadas, constituindo o alicerce de uma sociedade justa e equitativa, onde todas as pessoas possam prosperar com dignidade e segurança. Assim, apelamos a que a busca da paz seja sempre acompanhada de um compromisso com a justiça em todas as suas formas e expressões, incluindo a justiça social, económica, política e ecológica. Para além disso, questões tão generalizadas como a pobreza extrema, a desigualdade social e a degradação ambiental são frequentemente objeto de menor atenção por parte da opinião pública, constituindo uma importante ameaça à segurança humana e à paz. Embora a UE tenha lançado várias ações e projetos louváveis para fazer face a estes desafios, é necessária uma abordagem mais coerente e abrangente, inspirada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), reconhecendo em especial a paz como um aspeto fundamental do desenvolvimento sustentável (ODS 16). Instamos a UE a ultrapassar a sua abordagem política, por vezes isolada, centrando-se mais em soluções holísticas e refletindo melhor a interligação das questões ambientais com os fatores sociais e económicos. A este respeito, encorajamos igualmente os decisores políticos europeus a promover uma maior sensibilização e educação dos cidadãos da UE para as implicações mais vastas da segurança humana e da paz.  

Apelo a uma estratégia global da UE para a prevenção de conflitos e a paz

Para reforçar a capacidade de prevenção de conflitos da UE e aumentar a coerência de uma abordagem integral da paz, apelamos ao desenvolvimento de uma estratégia global da UE para a prevenção de conflitos e a paz. Ao implementar uma abordagem estratégica da prevenção de conflitos e da paz que coloque a tónica na ação precoce, na avaliação dos riscos e no empenhamento multissectorial proativo, a UE pode aumentar a sua capacidade de evitar conflitos violentos e enfrentar mais eficazmente as ameaças emergentes. Além disso, uma abordagem estratégica da paz baseada num conceito de segurança integral que integre igualmente aspetos de justiça social e de sustentabilidade ambiental pode promover uma aplicação mais coerente da relação entre a ajuda humanitária, o desenvolvimento e a paz.

3. Abordar a dinâmica dos conflitos e promover uma abordagem de segurança humana

 Considerar os mais modernos instrumentos de guerra e adotar uma abordagem de segurança humana

Numa era marcada por avanços tecnológicos, armamento sofisticado e desafios de segurança complexos, instamos os decisores políticos europeus a concentrarem-se no investimento pacífico ao serviço da segurança humana e em estratégias não violentas de defesa e dissuasão. A dissuasão não violenta pode incluir sanções, pressão diplomática e resistência civil não violenta.

Praticar a solidariedade com os refugiados e as pessoas deslocadas internamente

A solidariedade para com as vítimas da guerra e da violência é parte integrante da abordagem humanitária. Esta solidariedade deve também ser expressa pela UE e pelos seus Estados-Membros, apoiando aqueles que tiveram de abandonar as suas casas devido à guerra e à violência. Os decisores políticos europeus são chamados a criar e a respeitar um quadro que permita aos refugiados viver uma vida que lhes permita, pelo menos, um certo grau de normalidade e de integração na sociedade de acolhimento. Isto requer apoio psicossocial suficiente, a oportunidade de participar na vida da comunidade e de aceder ao mercado de trabalho. O nosso apreço vai para os muitos voluntários e ajudantes a tempo inteiro que estão totalmente empenhados em apoiar os refugiados. Este empenhamento enérgico deve ser encorajado e apoiado. O nosso mais profundo respeito vai também para os muitos esforços empreendidos pelos próprios refugiados. Apesar da enorme tensão psicológica causada pela guerra e da preocupação com os seus entes queridos, muitos dos refugiados esforçam-se por aprender a língua do país de acolhimento. Apoiam a economia dos países de acolhimento com o seu trabalho e estabelecem contactos com a população local. Este facto deve ser não só encorajado, mas também apreciado.

Melhorar a regulamentação relativa à exportação de armas

O equipamento militar (incluindo os bens de dupla utilização) e as tecnologias militares não devem ser tratados como bens que podem ser comercializados normalmente no mercado livre. Uma orientação para o lucro que aceite ou mesmo encoraje a criação de novos conflitos ou violações dos direitos humanos por parte de regimes autocráticos, a fim de maximizar os lucros, deve ser contrariada de forma decisiva. Os regulamentos relativos ao controlo das exportações de armas devem ser reforçados em conformidade e aplicados de forma coerente.

Continuar a identificar janelas de oportunidade para o desarmamento

Embora a guerra de agressão russa contra a Ucrânia tenha dificultado consideravelmente as condições de enquadramento para tal, o objetivo a longo prazo deve ser o de continuar a identificar oportunidades para a prevenção de conflitos e o desarmamento. O atual panorama geopolítico, caracterizado por tensões acrescidas e posturas militares, sublinha a urgência destes esforços. A este respeito, apelamos igualmente à UE para que trabalhe no sentido de ativar a Quarta Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Desarmamento (UNSSOD-IV), a fim de promover uma segurança integral e sustentável através da transparência e da criação de confiança.  Ao participar em debates multilaterais sobre a dissuasão nuclear e as tecnologias emergentes, como a robótica e a inteligência artificial, e ao comprometer-se com o desarmamento, o controlo dos armamentos e a não-proliferação, é possível atenuar os riscos de escalada e de utilização abusiva, conceber um regime de controlo dos armamentos mais previsível e prevenir alguns dos riscos existenciais associados a estas tecnologias.

Reforço do papel da UE na promoção da paz e da estabilidade

Defendemos um envolvimento mais ativo e coerente nas missões de manutenção da paz, dando prioridade aos meios civis de prevenção e gestão de crises e promovendo a estabilidade principalmente através de meios diplomáticos. As missões de manutenção da paz da UE devem esforçar-se sempre por defender a dignidade inerente à pessoa humana, dando a máxima prioridade à proteção dos civis, o que não inclui apenas a proteção física, mas também a necessidade de controlar as violações dos direitos humanos, assegurando simultaneamente que os civis possam gozar plenamente os seus direitos humanos e liberdades fundamentais.

Uma vez que uma paz justa e duradoura não nasce apenas de estruturas e estratégias, mas tem de ser semeada pelas pessoas, é tarefa e responsabilidade de todos ser um arquiteto e um artesão da paz.

Por conseguinte, convidamos não só os responsáveis políticos, mas também as organizações da sociedade civil, as instituições religiosas e os cidadãos a unirem-se numa cultura do encontro, da paz e da não-violência, que é abraçada, acarinhada e difundida por cada um de nós.

 

Pax Christi Internacional

Justiça e Paz Europa

Comunidade de Santo Egídio Bélgica