
SALÁRIOS JUSTOS CONTRA A POBREZA
Ao analisar a questão do papel dos salários justos no combate à pobreza, guiamo-nos por princípios que colhemos na doutrina social da Igreja e que se vêm consolidando desde há mais de um século.
Esses princípios partem do primado da pessoa sobre as coisas. A economia, a empresa e o trabalho devem servir as pessoas, e não o contrário (“o trabalho para a pessoa, e não a pessoa para o trabalho”). É este o sentido do tradicional princípio do primado do trabalho sobre o capital (ver Laborem exercens, ns. 7 e 13). Não deixando de ser complementares e não antinómicos, o capital (o conjunto dos meios de produção) deve servir de instrumento ao serviço das pessoas que integram a comunidade que constitui a empresa (e não o contrário), a sua rendibilidade não pode sacrificar a dignidade e direitos dessas pessoas.
Através do trabalho, a pessoa não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas necessidades, mas também se realiza como pessoa e, num certo sentido, se torna “mais pessoa” (ver Laborem exercens, n. 9).
Para além da diferente valorização do trabalho na sua vertente objetiva, que pode justificar diferenças salariais, há que considerar a sua vertente subjetiva, enquanto expressão da dignidade da pessoa que trabalha, vertente que torna igualmente digno qualquer trabalho, mais ou menos qualificado (ver Laborem exercens, n. 6).
A Sagrada Escritura fustiga severamente a conduta de quem não paga o salário devidos aos trabalhadores: Lv 19, 13; Dt 24, 14-15; Tg 5, 4
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SALÁRIOS JUSTOS CONTRA A POBREZA
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
Está programada para o próximo dia 21 de janeiro (de manhã, no Centro Cultural Franciscano, em Lisboa) a conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, a qual aborda a temática dos salários justos como instrumento para superar a pobreza. A conferência realiza-se em parceria com a Cáritas Portuguesa, a LOC-MTC, a JOC, a ACEGE, a ACR e o Metanoia. Para abordar tal temática, centra-se no diálogo entre representantes de trabalhadores e empresários cristãos.
A Comissão Nacional Justiça e Paz quer destacar a importância deste diálogo entre trabalhadores e empresários cristãos na abordagem desta temática. Sem pretender uma completa sintonia quanto a medidas concretas, considera que a comum inspiração nos princípios da doutrina social da Igreja não pode deixar de traduzir-se nalgumas formas de consenso.
São da maior relevância os princípios da doutrina social da Igreja que devem inspirar a temática do salário justo como forma de superar a pobreza.
Esses princípios partem do primado da pessoa. A economia, a empresa e o trabalho devem servir as pessoas, e não o contrário. A justiça do salário não decorre necessariamente do consentimento das partes e das regras do mercado. Como definição do salário justo, afirma a constituição do concílio Vaticano II Gaudium et spes (n. 67): «…tendo em conta as funções e produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a dar ao homem a possibilidade de cultivar dignamente a sua vida material, social, cultural e espiritual e a dos seus».
A criação e manutenção de postos de trabalho é uma forma de concretizar a função social da propriedade privada e o destino universal dos bens. No combate à pobreza, é fundamental a criação de empregos justamente remunerados, mais do que a atribuição de subsídios estatais.
É sabido que o salário de muitos trabalhadores portugueses não lhes permite superar a pobreza. Alterar esta situação deverá ser um verdadeiro desígnio nacional que mobilize a sociedade civil e as autoridades políticas. De empresários e trabalhadores são exigidos esforços no sentido da melhoria da produtividade e da formação profissional. Mas a valorização dos salários também depende de uma mais justa repartição de rendimentos, da atribuição de uma maior parcela desses rendimentos aos do trabalho.
Apelar à realização desse desígnio nacional é o que pretendem a Comissão Nacional Justiça e Paz e as organizações que em parceria organizam esta Conferência.
Lisboa, 16 de janeiro de 2023
A Comissão Nacional Justiça e Paz
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JUNTOS NA CONSTRUÇÃO DA PAZ E DA ESPERANÇA
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz sobre a Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz de 2023
Os desafios que enfrentamos enquanto humanidade só poderão ser verdadeiramente respondidos se tivermos a coragem de olhar a realidade sem a mascararmos, por um lado, e sem por ela nos deixarmos aprisionar, por outro. De pouco vale, de facto, uma reflexão cujos pressupostos se revelem pouco ligados ao concreto da existência e da história, mas também não ganhamos nada se ficarmos paralisados na nossa ação, porque aquilo que vemos e intuímos se revela com contornos tão incertos e angustiantes, terminando por nos impedir de ousar um caminho. O justo equilibro entre estes dois polos, sabemo-lo bem, é muito difícil de alcançar e, no entanto, ele parece-nos absolutamente indispensável para a concretização da tarefa que temos pela frente. Julgamos também que esse equilíbrio só será possível quando procurado e sustentado numa reflexão e numa ação que não se reduza ao aqui e agora. Só no exercício de olhar para além do momento presente, sem nunca, no entanto, o deixar de ter em conta, nos parece possível encontrar a atitude adequada, na qual se possam fundamentar as ações necessárias.
Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2023, a CNJP encontra esse justo equilíbrio e esse convite a assumir a atitude adequada.
Tendo bem presente a situação pandémica e as consequências que ainda estamos a sofrer, bem como a guerra que se instalou na Ucrânia e que é o rosto mais visível de tantos outros conflitos, a Mensagem convida-nos a que permaneçamos firmes com os pés e o coração bem assentes na terra, sendo capazes dum olhar atento sobre a realidade e os factos da história. Apesar dos acontecimentos da nossa existência apareceram tão trágicos, “somos chamados a manter o coração aberto à esperança, confiados em Deus que Se faz presente, nos acompanha com ternura, apoia os nossos esforços e sobretudo orienta o nosso caminho.”
Esta esperança, que implica o compromisso e a ação transformadora, e de que tanto estamos necessitados, tem de ser procurada e erigida a partir da transformação dos nossos critérios habituais de interpretação do mundo e da realidade:
“não podemos continuar a pensar apenas em salvaguardar o espaço dos nossos interesses pessoais ou nacionais, mas devemos repensar-nos à luz do bem comum, com um sentido comunitário, como uns ´nós´ aberto à fraternidade universal. Não podemos ter em vista apenas a proteção de nós próprios, mas é hora de nos comprometermos todos em prol da cura da nossa sociedade e do nosso planeta, criando as bases para um mundo mais justo e pacífico, seriamente empenhado na busca dum bem que seja verdadeiramente comum.”
As várias crises morais, sociais, políticas e económicas que estamos a viver encontram-se todas interligadas, exigindo também respostas globais. Na linha da reflexão partilhada na Mensagem, não nos parece ser possível a edificação do futuro a partir do individualismo e do egoísmo. Só juntos, na fraternidade e na solidariedade, seremos capazes de edificar a paz e a esperança, possibilitando superar os acontecimentos mais dolorosos.
Juntos nas famílias, juntos como povos e nações, juntos como crentes, juntos como humanidade inteira, deixando-nos inspirar pelo amor infinito e misericordioso de Deus, esse é o caminho que temos de trilhar para podemos enfrentar com responsabilidade e compaixão os desafios do nosso mundo.
Por isso a CNJP, acompanhando os votos formulados pelo papa Francisco, interpela os nossos governantes e políticos, os responsáveis das empresas e organizações, os líderes das comunidades religiosas e todos os homens e mulheres de boa vontade a que juntos sejamos construtores da paz e da esperança, de modo a construir, dia após dia, um ano mais justo e mais fraterno, um ano feliz!
Lisboa, 29 de dezembro de 2022
A Comissão Nacional Justiça e Paz
 QUE NINGUÉM FIQUE PARA TRÁS
“A experiência de fragilidade e limitação, que vivemos nestes últimos anos e, agora, a tragédia duma guerra com repercussões globais, devem ensinar-nos decididamente uma coisa: não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz” (mensagem do Papa Francisco para o VI Dia Mundial dos Pobres)
Os últimos anos têm-se apresentado como um desafio constante a um bem-estar e segurança que se supunham realidades consolidadas. A pandemia, e agora a devastadora e incompreensível guerra, introduzem desequilíbrios nos modelos organizativos e produtivos que se pensavam estabilizados e provocam desordens graves que afetam de forma particularmente mais intensa os mais fracos da sociedade, acentuando-se consequentemente os níveis de desigualdade.
A inflação, quase que esquecida, surge de forma crescente, repercutindo-se de modo alarmante nos preços de bens essenciais que impactam diretamente na vida de todos, mas sobretudo dos que têm menos, porque de bens essenciais se trata.
Hoje, mais que nunca, o que se pede e exige é uma intervenção política integradora de todas as sinergias sociais e económicas, criativa porque atende à diversidade dos vários grupos sociais e combate a cegueira de uma ação que, por ser teoricamente igual para todos, deixa tantos de fora.
A pandemia demonstrou de forma clara as virtualidades da intervenção de proximidade, identificando a especificidade das situações, atuando num tempo mais curto, articulando os recursos, as competências dos agentes locais.
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