Comissão Nacional Justiça e Paz

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UMA CASA PARA CADA FAMÍLIA Nota das comissões Justiça e Paz sobre a crise do acesso à habitação

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CDJP Nota Habitação

 UMA CASA PARA CADA FAMÍLIA 

Nota das comissões Justiça e Paz sobre a crise do acesso à habitação 

                        (A nota resulta da reflexão conjunta de várias comissões Justiça e Paz e teve a colaboração do Prof. Dr. João Ferrão, geógrafo e especialista em questões urbanísticas)

«Já o disse e repito-o: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer que Jesus nasceu num estábulo porque não havia lugar nas estalagens, que a sua família teve que abandonar a própria casa e fugir para o Egipto, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem casa, porque nunca a tiveram ou porque a perderam por diversos motivos. Família e casa caminham juntas! Mas um teto, para que seja um lar, deve ter também uma dimensão comunitária: o bairro, e é precisamente no bairro que se começa a construir esta grande família da humanidade, a partir daquilo que é mais imediato, da convivência com a vizinhança»

                                                                                                                                         Discurso do Papa Francisco aos participantes no encontro de movimentos populares, 28 de outubro de 2014


As comissões Justiça e Paz abaixo elencadas, cientes da gravidade da situação atual do nosso país no que ao acesso à habitação diz respeito, querem dar um seu contributo para o diálogo, reflexão e ação em torno desta questão. Não pretendem indicar soluções concretas para um problema cuja complexidade não ignoram, mas alertar para a necessidade de uma visão completa do mesmo e salientar princípios que entendem dever servir de guia na busca dessas soluções.

Entendem, pois, que a questão da habitação não pode ser vista de forma isolada, nem de forma homogénea. Com essa perspetiva, parece-nos ser necessário estabelecer uma relação que seja frutuosa entre habitação (a casa, o alojamento), habitat (o bairro, o lugar) e o “habitar” (o mundo humano e planetário), levando em conta a diversidade de situações e de grupos sociais envolvidos.

Entendemos também que o acesso a habitação deve ser analisado segundo três dimensões: o acesso a habitação em sentido restrito; o acesso a uma habitação condigna e o acesso a uma habitação adequada.

Quanto à negação do acesso à habitação, há que salientar três situações hoje existentes na sociedade portuguesa de gravidade crescente: a das pessoas sem abrigo que vivem na rua (sem teto); a das pessoas sem abrigo em alojamento temporário (sem casa) e das pessoas em alojamento temporário partilhado, em alguns casos em condições desumanas de sobrelotação (sobretudo imigrantes, mas também estudantes e outras). A estas três situações, juntam-se outras duas, relacionadas com o risco ou com a concretização de interrupção do acesso à habitação atual: a dependência financeira grave (juros elevados de empréstimos bancários, taxas de esforço não suportáveis pelas famílias) e a “expulsão” direta (despejos; não renovação de contratos de arrendamento) ou indireta (aumento não suportável do valor das rendas) do local de residência atual.

Quanto à negação do acesso a uma habitação digna, há que salientar: a ausência de infraestruturas básicas (saneamento), o mau ou péssimo estado de conservação física dos edifícios e a baixa qualidade da construção (pobreza energética, baixos níveis de conforto térmico).

Quanto à negação do acesso a uma habitação adequada, há que salientar: a desadequação entre dimensão do agregado e dimensão da casa (situações de superlotação); a desadequação entre as necessidades e/ou capacidades de idosos (sobretudo a viver sozinhos) e, em geral, de pessoas com necessidades sensoriais, físicas, intelectuais, emocionais ou sociais particulares e as características da habitação (rampas, degraus, tipo de piso, altura dos interruptores, etc.); e a desadequação entre a dimensão e organização da casa e o desempenho de uma maior diversidade de funções (por exemplo, o trabalho à distância a partir de casa).

No que diz respeito ao habitat (o bairro, o lugar), há que partir da noção de que existe um continuum físico e vivencial entre a casa/apartamento, as partes comuns dos edifícios, os espaços públicos imediatamente envolventes (espaços de circulação, verdes, etc.) e os espaços de proximidade (jardins, comércio e serviços, equipamentos, transportes públicos). O habitat (o bairro, o lugar) inclui dimensões urbanísticas, mas também de mobilidade, de acesso a bens e serviços básicos, de qualidade ambiental e de sociabilidade/inclusão social. O acesso ao lugar é, em parte, uma questão de planeamento urbano (urbanismo de proximidade / de base comunitária). Assiste-se a uma separação cada vez maior (distância-tempo) entre o local de residência e o local de trabalho/estudo, o que promove uma crescente dissociação entre habitação e lugar, com a consequente perda de espírito e sentimento de pertença ao lugar e o desenraizamento em relação à comunidade local. O direito ao lugar (por exemplo, como critério urbanístico, de realojamento, etc.) tem um reconhecimento social e político insuficiente.

No que diz respeito ao “habitar” (o mundo), é imperioso encarar este conceito, numa perspetiva de articulação com os dois anteriores: a habitação como espaço familiar, o habitat como espaço comunitário e o “habitar" como exercício vital da família humana que corresponde a uma vida humana plena e digna, ao desenvolvimento humano integral.

Partindo deste diagnóstico e desta visão tão ampla e abrangente da questão, recordamos brevemente alguns princípios da doutrina social da Igreja que podem guiar-nos na busca de respostas à crise do acesso à habitação, que atinge hoje entre nós uma inédita gravidade.

O direito à habitação é um direito fundamental da pessoa e da família. «Família e casa caminham juntas» - afirma o Papa Francisco. Sem acesso à habitação está comprometida a integral realização da pessoa e não será possível a formação de jovens famílias que enfrentem o também grave problema da queda da natalidade.

Há que respeitar o direito de propriedade privada sem esquecer a função social desta. Tal significa que o respeito do direito de propriedade privada deve facilitar a concretização do direito à habitação do seu titular e sua família, mas facilitar também (e não impedir ou limitar) o exercício do direito à habitação de outras pessoas. Isso ocorrerá através do arrendamento a preços justos e não especulativos.

Na legislação e nas opções políticas, há que ter presentes os princípios da solidariedade e da subsidiariedade. Tal significa que não pode esperar-se da autonomia do mercado a completa solução do problema, mas o mesmo deverá dizer-se da intervenção do Estado. Impõe-se essa intervenção para suprir as imperfeições do mercado, que hoje se revelam notórias, sem a pretensão de o substituir. Há que apoiar de várias formas iniciativas neste campo do setor social e cooperativo.   

A busca de respostas concretas envolve questões técnicas que, na sua complexidade, nos ultrapassam. O que queremos nesta nota salientar é, acima de tudo, a necessidade de, face à extrema gravidade do problema, encontrar tais respostas de modo prioritário e urgente, apoiadas no diálogo, na concertação e no estabelecimento de compromissos claros e duradouros. Como sempre, manifestamos a nossa disponibilidade para dar o nosso contributo nesse sentido.

Lisboa, 26 de outubro de 2023

A Comissão Nacional Justiça e Paz

A Comissão Diocesana Justiça e Paz do Algarve

A Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz de Braga

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Bragança-Miranda

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Lamego

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Leiria-Fátima

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Portalegre-Castelo Branco

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Santarém

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Viana do Castelo

A Comissão Diocesana Justiça e Paz de Vila Real

 

DIGNIFICAR A EDUCAÇÃO É CUIDAR O FUTURO Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

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 Nota CNJP ESCOLA 

DIGNIFICAR A EDUCAÇÃO É CUIDAR O FUTURO

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

"É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.” Immanuel Kant

Vivemos um momento delicado em que a realidade da educação não pode ser ignorada e em que estão a ficar bem visíveis diversas problemáticas que à escola dizem respeito. Está a terminar um ano letivo muito marcado pelas greves dos professores. O tempo dirá os resultados desta contestação. 

As reclamações dos professores são conhecidas: melhoria dos salários e dos acessos a escalões de progressão na carreira de forma transparente e com equidade; a inclusão de 6 anos, 6 meses e 23 dias na contagem do tempo de serviço para progressão na carreira; o fim ou o atenuar das deslocações anuais para lecionar por esse país fora “de casa às costas”; maior clareza nas novas formas de recrutamento; menor burocracia. Reclamam-se medidas concretas que evitem que a fascinante carreira docente se transforme numa sucessão de tarefas burocráticas e pouco claras que em nada se conjugam com contextos de sala de aula cada vez mais complexos e desafiantes. Ficam ainda questões como a indisciplina, a autoridade do professor e a avaliação. E uma questão de fundo: está a escola a dar respostas áquilo que a cultura, a ciência, a economia, as empresas e as comunidades esperam dela?

Em todos estas questões, ressalta um denominador comum: a necessidade de olhar com outros olhos para os professores e reconhecer a dignidade e a importância da sua missão. Esta é uma classe profissional cuja dignidade e importância têm sido esquecidas, ou até desprezadas, nas últimas décadas. Importa agora reverter este esquecimento. Como? Certamente serão necessárias medidas mais sistémicas, de longo alcance, e outras mais imediatas e pragmáticas.

No curto prazo, urge dar respostas positivas às exigências atuais dos professores e criar um quadro de responsabilidades. É preciso revalorizar 'exteriormente' e socialmente esta profissão; isso passa por um conjunto de medidas que incluem certamente melhores salários e condições de trabalho. Há que garantir aos professores a possibilidade de uma efetiva formação ao longo da vida, que promova mais reflexão e permita encarar os desafios da inovação sem que se transformem os meios informáticos em fins em si mesmo.

No médio prazo, vale a pena ir introduzindo pequenas reformas, adaptadas a cada realidade escolar, sempre objeto de avaliação, evitando o experimentalismo gratuito. Essas reformas só serão possíveis no quadro de uma efetiva autonomia e responsabilização escolar. Uma verdadeira flexibilização curricular implica meios e mais docentes capazes de dar corpo a uma diversidade de acompanhamento educativo e não pode ser uma forma de reduzir custos nem fabricar sucessos.

No longo prazo, haverá que repensar seriamente modelos de escola e formatos didáticos e pedagógicos. Há experiências e ensaios muito interessantes em lugares de ensino por esse país e mundo fora: quase todos pouco conhecidos. Importa promover e testar modelos de organização e gestão escolar mais flexíveis, mais orgânicos, que respeitem a individualidade e a autonomia de professores e alunos. Modelos que tornem a vida dos professores mais interessante, vibrante e realizada. Espaços mais cativantes para o desenvolvimento pessoal e académico dos alunos, onde estes possam crescer no compromisso com o bem comum e no cuidado do outro.

O Papa Francisco tem estado atento a esta realidade e, no Dia Mundial dos Professores de 2021, depois de manifestar a sua «proximidade e gratidão a todos os professores» e, ao mesmo tempo, a sua «solicitude pela educação», lançou o Pacto Educativo Global para «unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna». Não há tempo a perder. Não há educação sem professores. E o futuro de um país depende do que for hoje a educação. 

 

Lisboa, 22 de maio de 2023

A Comissão Nacional Justiça e Paz

 

CAMINHAR JUNTOS NA ESCUTA A JESUS Reflexão da CNJP para a Quaresma de 2023

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  Reflexão Quaresmal CNJP 2023                                                                                    

CAMINHAR JUNTOS NA ESCUTA A JESUS

Reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz para a Quaresma de 2023

O papa Francisco convoca-nos para uma caminhada quaresmal que define de Ascese e itinerário sinodal.

É o desafio de, no meio da cultura individualista onde medramos, entrarmos na realidade sinodal que nos coloca num processo verdadeiramente relacional.

Se lermos a narração da Transfiguração nos três Evangelhos sinóticos, podemos ver que a Transfiguração é precedida do diálogo de Jesus com os discípulos onde, sem rodeios, Ele lhes diz quais são as condições, nada meigas, para O seguir e o que Lhe vai acontecer. E Pedro até o repreende, talvez cheio de confiança depois da resposta que tinha dado a Jesus dizendo «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Mas Jesus não se deixa levar por amiguismos e responde: «Afasta-te Satanás!».

Mas com a sua pedagogia, seis dias depois, Jesus toma Pedro, Tiago e João leva-os ao monte Tabor.

Jesus sabe quão facilmente somos senhores das certezas e da verdade, mas não desiste e propõe uma experiência: subir com Ele ao monte. Um momento especial, mas não o faz individualmente e, por isso, Jesus levou três consigo. É o desafio da ascese e da sinodalidade.

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PEDIR PERDÃO NÃO BASTA Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

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PEDIR PERDÃO NÃO BASTA

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

Fomos todos confrontados com o tremendo horror de sofrimento das vítimas de abusos sexuais e os inaceitáveis atos sobre elas cometidos, descritos no recente relatório produzido pela Comissão Independente, designada pela Conferência Episcopal Portuguesa, “Dar voz ao silêncio”.

Uma verdade que dói, mas só ela liberta, nas palavras de Pedro Strecht. De facto, só a verdade permite a imperativa ação em nome da justiça e da reparação da paz.

Ação focada sempre, em primeiríssimo lugar, nas vitimas, frágeis e vulneráveis, abandonadas e isoladas, presas nas consequências do ato que sobre elas foi cometido. Ação que procure reparar o que foi perdido, devolver o que foi tirado. Ação que de forma transparente puna os responsáveis pela barbárie que sobre elas se abateu.

O Papa Francisco repetidamente tem dito que pedidos de perdão não são suficientes quando o assunto é abuso sexual e que ações concretas devem ser implementadas para sanar, de alguma forma, os horrores vivenciados pelas vítimas. Na recente edição de março do “Vídeo do Papa” podemos ouvi-lo: “no caso da Igreja, pedir perdão é necessário, mas não é suficiente… a dor das vítimas, os seus danos psicológicos podem começar a cicatrizar se encontrarem respostas, ações concretas para reparar os horrores que sofreram e evitar que se repitam”.

A Comissão Nacional Justiça e Paz Portuguesa quer fazer parte da construção, urgente e clara, das respostas e das ações concretas que o Papa nos propõe. Para tal se disponibiliza. É o respeito pelas vítimas que nos compele. E é o nosso mandato de defesa dos mais frágeis e vulneráveis, em nome da justiça, construindo a paz.

Lisboa, 9 de março de 2023

A Comissão Nacional Justiça e Paz

 

MANIFESTO «SALÁRIOS JUSTOS CONTRA A POBREZA»

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                                                                           Manifesto salários - parceiros


  SALÁRIOS JUSTOS CONTRA A POBREZA

Ao analisar a questão do papel dos salários justos no combate à pobreza, guiamo-nos por princípios que colhemos na doutrina social da Igreja e que se vêm consolidando desde há mais de um século.

Esses princípios partem do primado da pessoa sobre as coisas. A economia, a empresa e o trabalho devem servir as pessoas, e não o contrário (“o trabalho para a pessoa, e não a pessoa para o trabalho”). É este o sentido do tradicional princípio do primado do trabalho sobre o capital (ver Laborem exercens, ns. 7 e 13). Não deixando de ser complementares e não antinómicos, o capital (o conjunto dos meios de produção) deve servir de instrumento ao serviço das pessoas que integram a comunidade que constitui a empresa (e não o contrário), a sua rendibilidade não pode sacrificar a dignidade e direitos dessas pessoas.

Através do trabalho, a pessoa não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas necessidades, mas também se realiza como pessoa e, num certo sentido, se torna “mais pessoa” (ver Laborem exercens, n. 9).

Para além da diferente valorização do trabalho na sua vertente objetiva, que pode justificar diferenças salariais, há que considerar a sua vertente subjetiva, enquanto expressão da dignidade da pessoa que trabalha, vertente que torna igualmente digno qualquer trabalho, mais ou menos qualificado (ver Laborem exercens, n. 6).

A Sagrada Escritura fustiga severamente a conduta de quem não paga o salário devidos aos trabalhadores: Lv 19, 13; Dt 24, 14-15; Tg 5, 4

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