|
pecado |
1. Evolução do conceito. A prática do mal faz parte da experiência humana desde sempre. Nas sociedades primitivas, aparece como transgressão às regras da comunidade, e por esta é castigada; nas sociedades politeístas, aparece como infracção à ordem do mundo estabelecida pelos deuses, podendo provocar as suas iras. No AT, aparece sobretudo como violação da Aliança estabelecida por Javé com o seu povo, pelo incumprimento da Lei, levando Javé a deixar o povo à sua triste sorte até que, pelo arrependimento, lhe perdoe e o salve. No NT, o conceito de p. aprofunda-se: ele é desobediência e ofensa a Deus; entrou no mundo pela queda de Adão, tornando o homem sujeito ao poder de Satanás e levando-o à morte; mas a obediência de J. C., o Filho de Deus feito homem, enviado pelo Pai num rasgo de misericórdia, salvou-o da situação de perdição pelo sacrifício da cruz. 2. O pecado original. A tendência para o mal é sentida sobretudo por aqueles que se empenham em fazer o bem. A revelação veio projectar luz sobre tal situação, sobretudo com a narrativa da queda dos nossos primeiros pais (Gn 3,1-23). O magistério da Igreja interpreta-a como a sua cedência à tentação demoníaca de confronto com Deus, acarretando a perda da justiça original em que foram criados, com as prerrogativas da imortalidade e da felicidade. Tais tremendas consequências reflectem-se na humanidade descendente deles, à qual deixaram de poder transmitir o que tinham desgraçadamente perdido. Mas Deus não podia ser vencido pela maldade das suas criaturas. Na sua misericórdia infinita, logo anunciou a salvação (“proto-evangelho”, Gn 1,15). Transformou assim a lamentável queda de Adão na “feliz culpa” (Exultet, do Precónio Pascal), por ter proporcionado a Deus o envio de seu Filho feito Homem a dar a vida em sacrifício de valor infinito, por amor dos homens, operando a sua salvação, e reparando as ofensas e as injúrias cometidas contra Ele pela queda original. (Cf. Cat. 385-412). 3. Teologia do pecado. Pecado é a transgressão voluntária da Lei de Deus. Pressupõe matéria proibida (ou estimada como tal), advertência e consentimento. Pode cometer-se por acto, omissão, pensamento ou desejo. Em todo o p. há duas malícias. É ofensa ao amor de Deus, que é infinitamente bom e amável (podendo eventualmente ser também ofensa ao amor do próximo e até de si mesmo, como no caso do suicídio); e é injúria ou lesão do direito de Deus a ser obedecido, tanto mais que Ele só pode querer o nosso bem (podendo também lesar o próximo nos seus direitos). No perdão do p. há que ter em conta esta dupla malícia. O perdão da ofensa alcança-se com um acto de arrependimento sincero, que inclua um renovado amor a Deus (e ao próximo), na certeza de que Deus responde sempre com um amor maior. O perdão da injúria pressupõe a reparação dos danos causados à gloria divina (e aos bens do próximo). Se esta reparação não for feita em vida, sê-lo-á no Purgatório com pena temporal (ou no Inferno com pena eterna, se a morte surpreender o pecador em estado de pecado grave). 4. Espécies de pecados. Na tradição da Igreja, impôs-se a distinção entre pecado mortal (ou grave) e pecado venial (ou leve), distinguindo-se um do outro por natureza e não por simples grau. O pecado mortal pressupõe matéria grave, plena consciência (do acto e da sua gravidade) e propósito deliberado. A matéria grave encontra-se precisada nos dez Mandamentos da Lei de Deus, segundo a resposta de J. C. ao jovem rico: “Não mates, não cometas adultério, não furtes, não levantes falsos testemunhos, não cometas fraudes, honra pai e mãe” (Mc 10,18). A gravidade da matéria depende das circunstâncias concretas, o mesmo se podendo dizer da plena consciência e do total consentimento. O pecado mortal degrada quem o pratica, quebra a amizade com Deus, faz perder a graça santificante e os méritos sobrenaturais adquiridos anteriormente e acarreta a pena eterna. Faltando qualquer dos três elementos acima referidos, o pecado deixa de ser mortal para ser venial. O pecado venial não corta a amizade com Deus nem a graça santificante, não acarreta pena eterna, mas pena temporal. O pecado venial cometido por simples fragilidade, sempre que lamentado e combatido, pode mesmo despertar um esforço maior pela santificação própria, mantendo a pessoa na humildade e na paciência; pelo contrário, o pecado venial friamente deliberado enfraquece a caridade e predispõe para o pecado grave (Cf. Cat. 1846-1869). Merecem ainda referência as imperfeições, que se distinguem do pecado leve por serem actos de si bons que se preferem a outros melhores ou são praticados de maneira frouxa. Se são fruto da fragilidade humana, não têm grande influência no processo de santificação, desde que sejam combatidas; mas se são consentidas sistemática e deliberadamente, podem produzir efeitos semelhantes aos do pecado venial deliberado. A Escritura refere ainda os pecados que bradam aos céus (sangue de Abel, sodomia, clamor do povo oprimido, lamento do estrangeiro, da viúva e do órfão, reter o salário do trabalhador), assim chamados pela indignidade de que se revestem e gravidade do dano causado ao próximo; e a blasfémia contra o Espírito Santo, que não tem perdão por pressupor a recusa deliberada dele. Chamam-se pecados capitais ou vícios capitais (V.) predisposições para o pecado, originadas pela repetição de acções perversas ou perigosas. Quanto aos chamados pecados sociais, V. a seguir. 5. A luta contra o pecado. É obrigação de todo o homem, e particularmente do cristão, lutar contra o pecado e contra tudo o que a ele conduz. Fazem parte dessa incessante luta a fuga das ocasiões, o fortalecimento espiritual pela frequência dos sacramentos e pela oração, e o recurso aos diversos meios de *santificação. Nas actuais condições de vida sociocultural, assumem especial agressividade as fontes do pecado, que tradicionalmente se chamam *inimigos do homem: o mundo, o demónio e a carne. a) O *mundo é o ambiente malsão, feito de mentiras, injustiças, rivalidades, violências, que tornam difícil à generalidade das pessoas discernir o que é bem e é mal, e levar uma vida honesta e santa. Caso particular é o dos pecados sociais, a que a Igreja está hoje mais atenta com o conhecimento mais vivo do que se passa pelo mundo em matéria de falsidades, injustiças e violências a que João Paulo II chamou “estruturas de pecado” (Enc. SRS 36, etc.). Todo o pecado pressupõe um agente livre e responsável, pelo que os pecados sociais resultam do somatório de muitas falhas morais dos membros duma determinada sociedade. A luta contra estes pecados faz-se pela purificação da maneira de pensar e viver da própria sociedade, pela projecção nela dos valores do Evangelho, sobretudo pelos cristãos leigos, à maneira da parábola do fermento; b) O *demónio, sempre atento às circunstâncias da vida dos homens, não descansa na procura dos meios mais subtis de os tentar. É fácil descobrir a sua interferência nos males denunciados pelo magistério, nomeadamente nas linhas dos atentados contra a vida humana, contra a família, contra o destino universal dos bens, contra o sentido de Deus na vida humana…; c) A *carne, como expressão da ânsia desordenada do prazer, encontra-se exacerbada na nossa sociedade, muito marcada pelo erotismo e pelo hedonismo no comer, no beber, no gozar a vida. Como no passado, em tempos difíceis, a resposta da Igreja incluirá a mobilização de espíritos carismáticos que dêem o alegre testemunho duma vida ascética muito consagrada ao serviço dos pobres. V. inimigos do homem, mundo, demónio, carne. 6. O perdão dos pecados. O *pecado original, que não é propriamente cometido, mas adquirido, apaga-se pelo *Baptismo, que perdoa ainda ao catecúmeno os pecados pessoais de que esteja arrependido. O sacramento da *Penitência foi instituído para o perdão dos pecados graves aos pecadores arrependidos, embora seja também muito recomendado para o perdão dos pecados veniais. Para o perdão destes e das imperfeições, a Igreja dispõe ainda de outros meios, como o acto penitencial da Missa e a *Comunhão sacramental. O acto de contrição perfeito, por motivo de caridade, também pode perdoar qualquer pecado, desde que, no caso de pecado grave, pressuponha o voto de confissão sacramental. Para os fiéis em perigo de vida, é sacramento de cura o sacramento da *Unção dos Doentes, em complemento ou substituição do sacramento da Penitência. V. Penitência, Unção dos Doentes. |
É expressamente interdita a cópia, reprodução e difusão dos textos desta edição sem autorização expressa das Paulinas, quaisquer que sejam os meios para tal utilizados, com a excepção do direito de citação definido na lei. |