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Trindade (Santíssima) |
1. Revelação do mistério. Pela expressão “Santíssima Trindade”, própria da linguagem cristã, se evoca o mistério de Deus e de sua vida íntima, que os símbolos da fé (ou credos) afirmam ser um Deus único em três Pessoas divinas iguais e distintas, a que a revelação cristã deu o nome de Pai, Filho e Espírito Santo. Que Deus é único é conclusão lógica de ser o Ser Supremo; que o é em três Pessoas, só o sabemos por ter sido revelado por J. C. Encontram-se traços do Ser Trinitário na criação (nomeadamente no homem criado à imagem e semelhança de Deus, dotado de consciência, inteligência e vontade) e no AT (designadamente na aparição de três estranhos a Abraão junto aos carvalhos de Mambré, por ele tratados ora no plural ora no singular, como “Senhor”, Gn 18,1-15). Mas, no sentido pleno, conhecemo-lo pela maneira de J. C. falar de Deus como “seu” Pai (e não no sentido genérico de Pai como origem de tudo e de Pai do povo de Israel), dizendo-se seu Filho, em tudo igual a Ele e um só com Ele, a ponto de poder afirmar: “Quem Me vê, vê o Pai” (Jo 14.9); Ele é o Verbo desde o princípio junto de Deus (Jo 1,1), resplendor da sua glória (Heb 1,3) que, ao assumir uma natureza humana, se tornou imagem do Deus invisível (Cl 1,15). Já perto da Páscoa, J. C. anunciou o Espírito Santo como outra Pessoa divina, em relação a Ele e ao Pai, já presente na criação (Gn 1,2), dado aos discípulos como Paráclito (Defensor) e enviado esplendorosamente à Igreja nascente na manhã de Pentecostes, para a dinamizar apostolicamente, para recordar tudo quanto J. C. ensinara, e para todos levar à verdade total (Jo 14,17; 14,26; 16,13). Particularmente significativa é a teofania do baptismo do Senhor no Jordão, quando se ouviu a voz do Pai e o Espírito Santo desceu sobre J. C. sob a forma de pomba (Mt 13-17 e //). 2. Formulação teológica. Antes de formular o mistério da SS. Trindade, a Igreja, cumprindo a palavra de ordem de J. C., entregou-se à evangelização dos povos, baptizando os crentes “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19). Esta fórmula trinitária era conhe-cida da tradição primitiva, encontrando-se reflectida sobretudo nas epístolas paulinas, nomeadamente nas saudações tomadas da liturgia eucarística: “A graça do Senhor J. C., o amor de Deus (Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13; 1Cl 4,6; Ef 4,4-6). No decurso dos primeiros séculos, a Igreja foi formulando em termos teológicos a fé trinitária, para maior inteligência do mistério e para a defender das heresias que foram surgindo, nomeadamente o *arianismo, que negava a divindade de J. C. Foi o trabalho dos primeiros concílios ecuménicos, sustentado pelo contributo dos Padres da Igreja e o sentido da fé do povo cristão. Para isso, sentiu a necessidade de uma terminologia com sentido próprio e preciso, recorrendo a conceitos da filosofia clássica. Assim, para afirmar a unidade divina, encontrou a palavra “substância” (ou as equivalentes “essência” e “natureza”, a “usia” dos gregos); para designar a distinção real do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a palavra “pessoa” (em grego hipostase); e, para afirmar que esta distinção reside na referência de cada Pessoa divina às outras, a palavra “relação”. O termo “pessoa”, sob pena de dar aso a um “triteísmo”, deve entender-se no sentido da filosofia clássica de “subsistência de um sujeito espiritual”, e não no sentido mais corrente de “indivíduo consciente e livre”. Esta distinção permite afirmar como artigo de fé da Igreja que o Pai é Deus, o Filho é o mesmo Deus e o Espírito Santo é o mesmo e único Deus, fazendo-se a distinção entre Eles pela oposição de relação: o Pai gera o Filho; Este é pelo Pai gerado desde toda a eternidade como expressão perfeitíssima do conhecimento que o Pai tem de si mesmo; e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, como de um princípio único, por via do amor. Na obra da criação, da redenção ou da santificação, actuam as três Pessoas divinas, embora se possa atribuir por *apropriação a cada uma delas cada uma dessas obras: o Pai é criador, o Filho é redentor e o Espírito Santo é santificador. Na obra da redenção, porém, só o Filho, enviado pelo Pai, se fez homem, oferecendo a vida pela salvação dos homens e glorificação de Deus; e, uma vez regressado ao Pai, com Ele nos enviou o Espírito Santo para ilustrar e guiar a Igreja e cada um dos fiéis. Só o Pai, princípio sem princípio, não foi enviado. Há uma relação íntima entre as *processões das Pessoas divinas e as respectivas *missões (ou envios). 3. For-mulação dogmática. A formulação dogmática deste mistério foi sendo feita principalmente nos primeiros concílios ecuménicos. No de Niceia (325), convocado para enfrentar o *arianismo, que negava a divindade de J. C., definiu-se que o Filho é consubstancial ao Pai, i.e., um só Deus com Ele. Isto foi reafirmado no I Conc. de Constantinopla (381), que proclamou a fé da Igreja no “Espírito Santo… que procede do Pai”. Mais tarde (Conc. de Toledo, 675, II de Lião, 1274, e de Florença, 1428), esclareceu-se que o Espírito Santo procede também do Filho (Filioque) juntamente com o Pai, fórmula adoptada pela liturgia latina. A tradição oriental fixou-se numa formulação ligeiramente diferente: “o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho”. Ambas as formulações, devidamente interpretadas, se equivalem. O Conc. Vat. II utiliza uma vez a fórmula oriental (AG 2). A principal fórmula de fé trinitária é a do Símbolo ou Credo de Niceia-Constantinopla: “Creio em um só Deus: Pai todo-poderoso…; em um só Senhor J. C., Filho Unigénito de Deus, consubstancial ao Pai…; no Espírito Santo que dá a vida e procede do Pai e do Filho e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado.” 4. A SS. Trindade na vida da Igreja. Como já se disse acima, a Igreja, no cumprimento da palavra de ordem de J. C., baptiza os crentes “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e só admite ao Baptismo depois de profissão de fé trinitária. Na liturgia latina, que separa da celebração do Baptismo a da Confirmação ou Crisma, os fiéis só são admitidos a este sacramento depois de repetirem a profissão de fé baptismal. Toda a celebração da Eucaristia, desde o gesto inicial à bênção final, passando pelas orações, doxologias e outras fórmulas, se faz em nome da SS. Trindade. Coisa semelhante se verifica na celebração dos outros sacramentos e sacramentais. O primeiro gesto que se ensina às crianças cristãs e catecúmenos é o benzer-se “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Como se não bastasse, a Igreja reserva um domingo do ano (logo a seguir ao Pentecostes) à especial celebração, com a categoria de solenidade, do mistério da SS. Trindade. (Cf. Cat. 232-267). V. Deus, processão, missões divinas, apropriação. |
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