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Bíblia |
1. Nome, natureza, inspiração e inerrância. Designam-se por a Bíblia (plural gr. = livros) os “livros por excelência”, que a Igreja Católica tem por inspirados e a que também usa chamar Sagrada Escritura ou *Palavra de Deus escrita. Na *Bíblia e na *Tradição (autenticamente interpretadas pelo *Magistério) se encontra a *Revelação divina, em que se baseiam o ensino e a prática pastoral da Igreja. O que dá valor sagrado à B. é a *inspiração, i.e., a influência exercida misteriosamente pelo Espírito Santo sobre os escritores bíblicos para que os seus escritos, sem deixarem de ser deles, e, portanto, humanos, passassem a ser igualmente obra autêntica de Deus, e, por isso, transmitindo, com toda a segurança, a verdade relativa à salvação (a chamada *inerrância da B.). 2. Divisão. A B. divide-se: em *Antigo Testamento (AT), constituído por 46 livros (ou 45, se se incluir o livro das *Lamentações em *Jeremias), quase todos escritos em hebraico (com passagens em aramaico e os livros mais recentes em grego); e em *Novo Testamento (NT), constituído por 27 livros, todos escritos no chamado “grego bíblico” ou koiné, que se falava na Palestina ao tempo dos Apóstolos. De cada um destes 73(72) livros encontra-se o que lhe é específico no respectivo lugar desta enciclopédia. Os livros da B. encontram-se dispostos, não por ordem cronológica da redacção, mas agrupados em categorias. Para facilitar a localização de cada passagem da B. os livros estão divididos em capítulos e versículos. A divisão em capítulos apareceu em 1226, na Bíblia da Universidade de Paris (por iniciativa de Langston, chanceler e depois arc. de Cantuária); e, em versículos, no ano de 1551, numa ed. gr. do NT (por iniciativa de R. Estienne, impressor francês); generalizando-se rapidamente apesar das suas imperfeições. 3. Cânone bíblico. É a lista autêntica dos livros da Bíblia. A Igreja nascente recebeu da tradição judaica os livros do AT, que deu como inspirados, uma vez que J. C. e os Apóstolos os tinham e citavam como Palavra de Deus, e a que acrescentou, posteriormente, os 27 livros do NT, como se depreende das colecções mais antigas chegadas ao nosso conhecimento, tendo como critério básico serem a transmissão directa dos ensinamentos apostólicos. Os protestantes recusam a inspiração de 7 dos livros do AT (Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, I e II dos Macabeus e partes de Daniel e Ester), a que chamam *apócrifos, e aos quais os católicos dão o nome de *deuterocanónicos por terem sido reconhecidos definitivamente como inspirados, mais tarde. Os livros do NT são, em geral, aceites pelos protestantes (com a diferença de que chamam ao Apocalipse “Revelação de João-o-Divino”), mesmo os *deuterocanónicos (Hebreus, Tiago, 2.ª Pedro, 2.ª e 3.ª João, Judas e Apocalipse). O último e definitivo pronunciamento sobre a canonicidade dos livros da B. foi o do *Conc. de Trento (séc. XVI), para dissipar dúvidas levantadas pelos protestantes. 4. Os livros da Bíblia. A) Do Antigo Testamento: 1) Livros históricos: os 5 do Pentateuco (a Tora dos Judeus): Génesis (Gn), Êxodo (Ex), Levítico (Lv), Números (Nm) e Deuteronómio (Dt); Josué ( Js), Juízes (Jz), Rute (Rt), os 2 de Samuel (1Sm e 2Sm), os 2 dos Reis (1Rs e 2Rs), os 2 das Crónicas (1Cr e 2Cr), os 2 de Esdras (Esd e Ne), Ester (Est), Tobias (Tb), Judite (Jdt) e os 2 de Macabeus (1Mac e 2Mac). 2) Livros sapienciais (ou didácticos): Job (Jb), Salmos (Sl), Provérbios (Pr), Eclesiastes (Ecl), Cântico dos Cânticos (Ct), Sabedoria (Sb) e Eclesiático ou de Ben-Sirá (Eclo ou Sir). 3) Livros proféticos: Isaías (Is), Jeremias (Jr), Lamentações (Lm), Baruc (Br), Ezequiel (Ez), Daniel (Dn) e os 12 profetas menores: Oseias (Os), Joel (Jl), Amós (Am), Abdias (Abd), Jonas (Jo), Miqueias (Mq), Naum (Na), Habacuc (Hab), Sofonias (Sf), Ageu (Ag), Zacarias (Zc) e Malaquias (Ml). B) Do Novo Testamento: 1) Livros históricos: os 4 Evangelhos: Mateus (Mt), Marcos (Mc), Lucas (Lc) e João (Jo) e os Actos dos Apóstolos (Act). 2) Livros didácticos: as 14 Epístolas paulinas: Romanos (Rm), 2 aos Coríntios (1Cor e 2Cor), Gálatas (Gl), Efésios (Ef), Filipenses (Fl), Colossenses (Cl), 2 aos Tessalonicenses (1Ts e 2Ts), 2 a Timóteo (1Tm e 2Tm), Tito (Tt), Filémon (Flm), Hebreus (Heb); e as 7 Epístolas católicas: 2 de S. Pedro (1Pe e 2Pe), 3 de S. João (1Jo, 2Jo e 3Jo), Tiago (Tg) e Judas (Jd). 3) Um Livro profético: o Apocalipse (Ap). 5. Redacção. Os livros do AT foram sendo redigidos ao longo de séculos, na maioria dos casos por autores desconhecidos, mesmo quando atribuídos a figuras de relevo, como Moisés, David e Salomão. Os especialistas descobriram em alguns deles sinais de diversas tradições antigas (p.ex., no *Génesis e em *Êxodo) e, noutros, acrescentos sucessivos (p.ex., em *Job e em *Isaías), permanecendo, no entanto, seguras a inspiração e a canonicidade das redacções chegadas até nós. Também nos livros do NT se podem levantar dúvidas quanto aos autores de alguns deles (p.ex., Epístola aos *Hebreus e *Apocalipse), mas, por razões óbvias, são menores as questões relativas à sua inspiração e canonicidade. 6. Transmissão e traduções. Na transmissão, ao longo dos séculos, dos textos originais, através de cópias em papiros ou pergaminhos, poderão ter-se introduzido erros de copistas, mas o estudo dos mais antigos manuscritos levou os especialistas a concluir que os textos críticos a que chegaram reproduzem com grande fidelidade os originais. É a partir destes textos críticos que hoje se fazem as traduções da B. em quase todas as línguas. As mais célebres traduções antigas são a dos *Setenta (LXX), do AT, feita para o grego, em Alexandria, entre os sécs. III e II a.C., e a *Vulgata latina, de toda a Bíblia, feita ou revista por S. Jerónimo, por ordem do papa S. Dâmaso (finais do séc. IV). Da sua revisão, pedida pelo Conc. de Trento, resultou a chamada Bíblia Clementina. Depois do Conc. Vat. II, sobretudo para uso litúrgico, fez-se nova tradução latina, a que costuma chamar-se *Nova Vulgata. 7. Interpretação. Para a correcta interpretação dos textos bíblicos é necessário: 1) no respeito das regras de uma sã *hermenêutica, estabelecer o verdadeiro texto (crítica textual), ter em conta as particularidades linguísticas e o género literário (crítica literária) e conhecer os condicionalismos culturais e históricos da sua redacção (crítica histórica), de forma a assegurar o melhor conhecimento do que os autores sagrados quiseram dizer; 2) fazer a sua *exegese, procurando qual a sua mensagem hinc et nunc, tendo em conta o sentido que lhes dá a tradição viva da Igreja, e particularmente a analogia da fé e a interpretação autêntica, porventura já dada pelo Magistério, a passagens difíceis. A importância dos *géneros literários, para a boa interpretação da Bíblia, foi posta em evidência por Pio XII na enc. Divino afflante (1943). De facto, difere muito um texto em prosa de outro em poesia, uma sentença sapiencial de uma profecia, uma epístola de uma narrativa histórica. E, mesmo no género histórico, ainda é necessário distinguir se se trata de história documental, épica, popular ou das origens. 8. Leituras da Bíblia. A leitura da B. pode fazer-se em diversos níveis de profundidade, de que resultarão compreensões diversas: 1) o leitor desprevenido, ao ler os livros da B. como quaisquer outros, pode achá-los interessantes, mas também poderá ficar chocado, acabando por pouco ou nada aproveitar da leitura; 2) o leitor erudito, sobretudo o especialista em história e literatura antigas fará uma leitura de grande interesse científico, conseguindo situar o que leu no seu contexto histórico e cultural, mas não entra no verdadeiro segredo dos textos sagrados; 3) o leitor com um mínimo de iniciação bíblica e com espírito de fé vai mais ao fundo na compreensão da Sagrada Escritura, encontrando, nomeadamente no AT, lido à luz do NT, um “sentido mais pleno”, descobrindo, p.ex., em Adão, Moisés ou David, “tipos” de J. C., ou no êxodo dos Hebreus, conduzidos por Moisés desde a escravatura do Egipto até à Terra da Promissão, a evocação profética da salvação de cada cristão e da própria humanidade; 4) por fim, a B. lida, escutada e rezada em contexto de oração litúrgica ou pessoal (*lectio divina) faz entrar em diálogo e comunhão íntima com Deus. 9. A Bíblia e a pastoral. Desde os seus primórdios, a Igreja foi buscar à B. os textos fundamentais para o seu ensino e para a liturgia (V. Leccionário, Evangeliário). Ao longo de séculos, tem velado pela boa interpretação dos textos bíblicos e, em períodos de crise, como o do cisma protestante, restringiu a sua leitura por fiéis desprevenidos. O supremo magistério, sobretudo a partir dos finais do séc. XIX, prestou especial atenção à B., destacando-se as encíclicas Providentissimus Deus, de Leão XIII (1893) e Divino afflante Spiritu, de Pio XII (1943), a Const. Dogmática do Conc. Vatic. II *Dei Verbum (1965), bem como a criação da Pontifícia Comissão Bíblica (1902), do Pontifício Instituto Bíblico (1909) e da Escola Bíblica de Jerusalém (1890 e 1946). Com o uso do vernáculo na liturgia, com a divulgação das traduções devidamente anotadas e com a actividade dos “grupos bíblicos” e instituições similares, a Bíblia passou a ser cada vez mais familiar entre os católicos, como entre os outros cristãos. Para isso também têm contribuído as numerosos obras de investigação e divulgação bíblicas e o interesse dos vários meios de comunicação social, como o cinema e a televisão. O CDC (825) exige autorização da Santa Sé ou da Conferência Episcopal para novas edições e *traduções, as quais devem ser anotadas. 10. Estudos Bíblicos. Pensado por Leão XIII, foi concretizado por S. Pio X (1909) o Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, que passou a ter, nos anos 30, um centro de estudos em Jerusalém, a Escola Bíblica, destinando-se à formação de biblistas e professores de Sagrada Escritura. O Dir (252-253; 760) exige estudos bíblicos aos seminaristas e em geral a quantos, com formação teológica, têm funções pastorais. |
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