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Doutrina Social da Igreja (DSI) |
| 1. Natureza. É o conjunto orgânico dos ensinamentos da Igreja sobre os problemas sociais da modernidade. Iniciada paradigmaticamente por Leão XIII (RN, 1891) e apelando para os princípios filosóficos e teológicos da Moral, foi-se desenvolvendo sobretudo na segunda metade do século XX, passando a constituir um corpo doutrinário coeso e dinâmico. As várias intervenções do magistério da Igreja, ao fazerem a análise crítica das situações sociais, tinham em vista orientar os católicos e homens de boa vontade na sua acção no mundo. No entanto, a DSI, porque não é da ordem das ideologias, nunca se propôs como via alternativa do capitalismo liberal ou do colectivismo marxista ou de qualquer outra solução concreta menos radical para a vida dos homens em sociedade. Dado que as situações sociais, sobretudo nas últimas décadas, evoluíram rapidamente, a DSI tem tido que se actualizar constantemente, para assegurar o contributo da Igreja para a solução dos problemas que afligem os homens de cada época. A interpretação dos documentos da DSI deverá ter em conta: a) a evolução da terminologia (“socialismo” não quer dizer o mesmo na RN e em documentos mais recentes); b) a evo-lução da sensibilidade a determinados valores (a *greve passou de crime a direito); c) a sociedade monocultural de há cem anos deu lugar à pluricultural dos nossos dias, exigindo soluções jurídicas que respeitem, quanto possível, formas diversas e até antagónicas de julgar determinadas realidades (p.ex., o *divórcio). 2. Breve história. A pré-história da DSI mergulha as raízes nas experiências de libertação das injustiças e sofrimentos que afligiam o povo de Deus, vividas pelos profetas no AT e por J. C. no NT. A Igreja, sobretudo depois que passou a ter voz mais activa na sociedade dos homens, procurou humanizar a vida destes pelo influxo da mensagem evangélica de justiça e de caridade. No entanto, a dimensão social do cristianismo só se manifestou claramente quando teve de enfrentar a evolução social provocada pela revolução industrial e pelo impacto do liberalismo, capitalismo e socialismo (comunismo) no séc. XIX. A situação de miséria do proletariado industrial levou Leão XIII a publicar o que foi o primeiro grande documento de DSI, a enc. *Rerum novarum (1891) sobre a “questão operária”. Depois de quarenta anos cheios de acontecimentos graves, como foram a guerra civil espanhola (1936-1939), a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e a ascensão dos regimes políticos totalitários, Pio XI publicou a enc. *Quadragesimo anno (1931) sobre a “questão social”. Pio XII, que enfrentou os tempos difíceis da nova guerra de 1939-1945, muito sensível aos “sinais dos tempos”, teve as mais importantes intervenções em matéria de DSI sob a forma de radiomensagens, alargando as perspectivas aos problemas internacionais de ordem económica, social e política. João XXIII, no seu curto mas fecundo pontificado, fez inflectir a DSI, até aí bastante ligada às forças conservadoras e uma visão centrada no direito natural, passando a olhar com maior pragmatismo as realidades sociais, admitindo maior intervenção do Estado e apelando à cooperação internacional para o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Publicou duas grandes encíclicas, *Mater et magistra (1961) de actualização da DSI, e *Pacem in terris (1963) sobre a paz no mundo construída sobre quatro pilares: a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade. O Conc. Vat. II sintetizou e aprofundou os ensinamentos sociais da Igreja na Const. pastoral *Gaudium et spes (1965) sobre o diálogo Igreja/mundo. Numa primeira parte analisa a vocação do homem à luz da razão e da revelação e, numa segunda, foca os problemas mais urgentes (matrimónio e família, cultura, vida económico-social, comunidade política, comunidade internacional e paz no mundo). Paulo VI, depois de iniciar o seu pontificado com um apelo ao diálogo, na enc. *Ecclesiam suam (1964), publicou a *Populorum progressio (1967) sobre o desenvolvimento integral dos povos, numa altura em que se começavam a revelar grandes desequilíbrios entre os povos, no rescaldo do acesso à independência dos territórios colonizados. Quan-do os Bispos Latino-Americanos (Medellín, 1968) transpuseram o cerne da questão social da economia para a política (“libertação”), o Papa, na carta apos-tólica *Octagesima adveniens (1971), abre-se a esta nova perspectiva, analisa os problemas da democracia, das migrações, da comunicação social e do ambiente, e, perante o enfraquecimento das ideologias, apela ao enfrentamento regional dos novos problemas. Menos conhecido, mas não menos oportuno foi o documento final do 2.º Sínodo dos Bispos, Convenientes ex universo (1971) sobre a justiça no mundo. A partir do 3.º Sínodo, o fruto dos trabalhos sinodais passou a ser apresentado pelo Papa em Exortações apostólicas. Com interesse para a DSI temos a *Evangelii nuntiandi (1975) de Paulo VI, e de João Paulo II temos as enc. sociais *Laborem exercens (1981) sobre o trabalho humano, que na economia deve ter a supremacia sobre o capital, *Sollicitudo rei socialis (1987) sobre a dimensão internacional do desenvolvimento e do trabalho, e *Centesimus annus (1981) com uma síntese dos cem anos de DSI, agora com novas perspectivas abertas pela desagregação do marxismo (derrube do “muro de Berlim”, 1989) e pela ascensão do capitalismo liberal com as sua ameaças à dignidade do homem, da família e dos povos. Há ainda a acrescentar diversas mensagens, com destaque para as do “Dia Mundial da Paz” no início de cada ano. 3. Princípios e valores. Da análise destes documentos ressaltam como temas fundamentais da DSI os seguintes: a pessoa humana, sua dignidade, seus direitos, a começar pelo direito à vida da concepção à morte natural, e suas liberdades, com particular destaque para a liberdade religiosa; a família, sua vocação e seus direitos; inserção e participação responsável de cada homem na vida social; o bem comum e sua promoção, no respeito dos princípios da solidariedade e subsidiaridade; o destino universal dos bens da natureza e cuidado com a sua preservação e defesa do ambiente; o desenvolvimento integral de cada pessoa e dos povos; o primado da justiça e da caridade. NOTA: Como guias de estudo da DSI são de toda a utilidade: o documento da Congregação da Educação Católica “Orientações para o estudo e ensino da DSI na formação sacerdotal” (30.10.1988) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicado pelo Conselho Pontifício “Justiça e Paz” (2.4.2004) por ordem de João Paulo II. (Cf. Cat 2401-2463). V. propriedade, trabalho. |
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