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Evangelho(s) |
(Do gr. = boa notícia). 1. O termo, sempre no singular, aparece no AT com sentido religioso de anúncio da salvação, no Segundo Isaías (52,7; 61,1; etc.). O NT retoma-o com sentido semelhante, sobretudo nos E.s sinópticos (12 vezes) e em S. Paulo (60 vezes). O correspondente verbo “evangelizar” é também frequente (26 vezes em Mt, Lc e Act, e 21 vezes em S. Paulo; etc.). O significado de E. como texto escrito ou livro aparece em S. Justino, generalizando-se depois. Neste sentido, são quatro os Evangelhos canónicos, os de Mateus, Marcos, Lucas e João. A partir do séc. II, apareceram muitos outros, entre os quais o dos Hebreus, dos Ebionitas, de Pedro, de Tomé e o Proto-Evangelho de Tiago, oferecendo respostas (tantas vezes fantasistas) à natural curiosidade das comunidades cristãs de conhecerem pormenores da vida e actuação de J. C. A Igreja, porém, nunca os reconheceu como inspirados, embora algumas das suas informações tenham entrado na tradição cristã (p.ex., os nomes dos pais de Nossa Senhora, a apresentação de Maria no Templo, etc.). 2. Origem dos Evangelhos. Os primeiros escritos do NT foram as epístolas de S. Paulo, as mais antigas das quais surgidas por volta do ano 50, a escassos 20 anos da morte e ressurreição do Senhor. Quase nada dizem das palavras e vida do divino Mestre. Tudo leva a crer que os E.s foram escritos para colmatarem esta falta, indo ao encontro das necessidades sentidas pela Igreja primitiva, sobretudo na catequese aos convertidos e na liturgia das comunidades. Antes deles, apareceram vários escritos parcelares (os logia), que terão fornecido material para os três primeiros E.s, chamados sinópticos (V. abaixo, n. 4). O quarto E., atribuído ao Apóstolo João, escrito uns 20 anos depois (entre 90 e 100), é bastante diferente dos sinópticos, no esquema, no conteúdo e no estilo, dando grande lugar aos discursos de J. C. e projectando simbolicamente alguns dos seus gestos mais significativos em mistérios da fé cristã. Merece aqui referência o Livro dos Actos dos Apóstolos, escrito por Lucas na continuidade do seu E., descrevendo sobretudo a actividade missionária de Pedro e de Paulo. Completa a lista dos livros históricos do NT. 3. Natureza e autenticidade. Os E.s são livros históricos, pois referem acontecimentos históricos e factos biográficos da vida de J. C. conforme foram apreendidos pela experiência das primitivas comunidades cristãs, e não segundo os critérios de rigor factual e cronológico da historiografia moderna. Constituem assim um especial género literário. A sua autoria individual vem-lhes da tradição cristã do séc. II, que os atribuiu aos Apóstolos Mateus e João e a discípulos directos de outros Apóstolos, Marcos (de Pedro) e Lucas (de Paulo), desta forma constituindo o último estádio da tradição apostólica acerca da vida e ensinamentos de J. C. Os E.s apócrifos foram rejeitados precisamente por não gozarem desta prerrogativa apostólica dos canónicos. (V., nos respectivos lugares, os E.s de *Mateus, *Marcos, *Lucas e *João). 4. A questão sinóptica. Os E.s sinópticos apresentam flagrantes semelhanças entre eles, sobretudo a mesma preocupação de dar a conhecer os factos e os ensinamentos de J. C. e a adopção do mesmo esquema estrutural: actividade do Precursor, ministério de J. C. na Galileia, sua subida a Jerusalém, onde sofreu, morreu e apareceu ressuscitado. Estas semelhanças tornam-se mais visíveis quando se distribuem homologamente em colunas paralelas os textos dos três E.s (que por isso se chamam “sinópticos”, do gr. = vistos conjuntamente). Apresentam, porém, diferenças significativas, não só de estilo pessoal dos *evangelistas, mas também da preo-cupação de dar resposta a situações concretas das comunidades cristãs para que foram originalmente escritos. Assim, *Mateus, Apóstolo e pessoa de hábitos arrumados (fora cobrador de impostos), escreveu para cristãos vindos do judaísmo, com a intenção de lhes proporcionar uma catequese bastante sistematizada, com a clara preocupação de mostrar a realização em J. C. das antigas profecias. *Marcos reflecte a pregação querigmática de Pedro ou de discípulo de Pedro, utilizando uma linguagem literalmente pobre, mas muito viva, como convinha a fiéis ainda num estádio primitivo de conversão cristã. *Lucas, o convertido e discípulo fiel de Paulo, o único evangelista de cultura grega (era médico) escreveu para comunidades cristãs mais abertas e evoluídas, mostrando-se particularmente sensível às figuras femininas ligadas a J. C. (a começar por Maria, Mãe de Jesus, de quem foi o “retratista”), à misericórdia divina e à acção do Espírito Santo. A procura de explicação para tais semelhanças e diferenças é o objecto da chamada “questão sinóptica”, para a qual ainda se não encontrou resposta cabal. Hoje os especialistas não duvidam que houve na redacção última dos três sinópticos interferências mútuas. Continuam, porém, as dúvidas sobre qual o texto mais antigo que inspirou os outros, aventando-se duas hipóteses, a de uma primeira redacção em aramaico de *Mateus, posteriormente traduzida para grego (a que chegou até nós), ou a do texto de *Marcos. Os especialistas falam ainda de outras fontes comuns, desde escritos parcelares (logia) a tradições locais. 5. Concordância dos Evangelhos. O antigo desejo de conseguir, a partir dos E.s, uma biografia de J. C. levou alguns autores a combinarem, numa única narrativa, as várias partes dos E.s. A isso se chama “concordância”, que difere duma “vida de J. C.” por empregar exclusivamente textos evangélicos. A concordância mais antiga é o Diatessaron, dum filósofo assírio convertido ao cristianismo, que a compôs, por volta de 170, com o título de Harmonia Evangélica. Tal iniciativa tem tido os seus seguidores ao longo dos séculos, incluindo S. Agostinho e alguns modernos. Pressupõe determinada opinião sobre a ordem cronológica dos acontecimentos e não tem em conta as características próprias de cada E. De interesse diferente são as Vidas de Jesus, que recorrem criteriosamente a outras fontes além dos E.s e têm em conta as circunstâncias históricas, geográficas e outras que rodearam a existência terrena da J. C. |
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