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família |
| 1. Origem e natureza. A f. é o agregado humano baseado no *casamento. Este resulta da diferenciação e complementaridade dos sexos, levando o homem e a mulher a procurar numa união estável a realização pessoal e a sua projecção nos filhos. Nada de mais conforme com a natureza humana. A f. nuclear, constituída pelos pais e filhos, viu-se, sobretudo em épocas passadas, ampliada com outros elementos a ela ligados por laços de sangue, afinidade e serviço, constituindo clãs e tribos. A autoridade na f. foi em geral atribuída ao “paterfamílias”, nos regimes patriarcais, mas a Antiguidade também regista casos de matriarcado. A poligamia era também frequente, sobretudo de um homem com mais que uma mulher, tanto mais que, nas civilizações antigas, além da tendência para o domínio masculino, havia mais mulheres que homens, por estes serem as maiores vítimas das guerras e acidentes. O casamento e a transmissão da vida sempre foram encarados ao longo dos milénios como realidades sagradas celebradas com ritos religiosos. 2. A família na Bíblia. O AT põe a origem da f. no acto criador de Deus que, ao 6.º dia, criou o homem e a mulher “à sua imagem”, os abençoou na unidade “de uma só carne”, dizendo-lhes: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra” (Gn 1,26-28; 2,18-24). Inicialmente, as famílias eram polígamas. Mais tarde, no tempo dos profetas, que davam à f. por modelo a aliança de Javé com Israel, passou gradualmente a monogâmica. Fazem o elogio da f., histórias como as de *Rute e *Tobite, e sentenças como as de *Provérbios (5,18-20; 31,10-28) e de *Eclesiástico (3,1-16; 7,19-28; 30,1-13). O *celibato era estranho à mentalidade judaica, mas ao tempo de J. C. aparecem ascetas que não se casam. Um deles foi João Baptista na sua missão de precursor. J. C., que não se casou, falou com enlevo do casamento, restituiu-o à unidade original e fez o seu primeiro milagre nas bodas de Caná. S. Paulo, que o imitou no celibato consagrado, foi o primeiro teólogo do *matrimónio como sacramento (Ef 5,21-33). 3. Funções da família. A f., na medida em que se realiza a si própria, assegura a continuidade da grande família humana, pela geração e educação das novas gerações; dá aos seus membros segurança física, moral e social; contribui para o desenvolvimento da sua personalidade; conserva e transmite às novas gerações tradições e costumes que enriquecem a alma colectiva; é a primeira (no tempo e na importância) escola de sociabilidade e de civilidade, contribuindo para a estabilidade e progresso da vida social. É, verdadeiramente, a “célula da sociedade”. 4. Dificuldades da família. A degradação da família, com a quebra da sua unidade e fecundidade, é o maior risco para a sociedade, como a história confirma (p.ex., com a queda do Império Romano, no séc. V). Hoje, nos países do Ocidente, a instituição familiar vê-se ameaçada: a) pelo individualismo, hedonismo e laxismo moral reinantes, que a minam nos seus fundamentos; b) pelas condições de habitação e vida impostas pelo mundo urbano, que lhe dificultam o seu normal desenvolvimento; c) pela impreparação das novas gerações para assumirem as responsabilidades conjugais e familiares, dada a crise das principais instituições educativas perante as profundas alterações da vida moderna. No entanto, como observa João Paulo II na Exort. ap. *Familiaris consortio (22.11. 1981), também há sinais de esperança para a família nos nossos dias: maior consciência da liberdade pessoal, mais cuidado com a educação dos filhos, e, da parte da Igreja, a redescoberta da missão eclesial da própria família cristã e da sua responsabilidade na construção de uma sociedade melhor (V. abaixo Carta dos Direitos da Família). 5. A Igreja e a família. Perante esta situação de crise da instituição familiar, a Igreja sente cada vez mais a urgência duma intervenção pastoral em favor da f. Não cessa, por isso, de projectar os princípios e valores cristãos sobre ela, através do seu magistério, destacando-se a Enc. Casti connubii de Pio XI (1930), vários discursos de Pio XII, o cap. 1 da II parte da Const. past. do Vat. II *Gaudium et spes (nn. 47-52) sobre “A promoção da dignidade do matrimónio e da família”, a bela síntese do n. 11 do Decr. conc. *Apostolicam actuositatem, e a referida Exort. ap. *Familiaris consortio sobre “A família cristã”. A 4.ª parte desta Exort., sobre “A pastoral familiar”, traça as linhas mestras desta pastoral: preparação remota, próxima e imediata para o *matrimónio; especial cuidado com a celebração deste sacramento, tendo em conta a fé dos noivos e o seu sentido cristão da vida; e o acompanhamento dos casais e das famílias no pós-matrimónio. Nesta pastoral, em que todos na Igreja se devem sentir responsabilizados, cabe papel decisivo aos casais cristãos. Com particular delicadeza devem ser tratados os “casos difíceis”: famílias ideologicamente divididas, casamentos mistos, situações irregulares (uniões de facto, baptizados só casados civilmente, divorciados de casamento na Igreja de novo casados). Luz condutora desta pastoral é a antiga expressão “Igreja doméstica” retomada pelo Conc. Vat. II na *Lumen gentium (11) e comentada pelo Cat. (1655-1658). De especial interesse são as “Bases para uma Pastoral Familiar” da CEP (11. 2003). 6. Espiritualida-de familiar. Como “Igreja doméstica”, a f. cristã transmite às novas gerações a fé e celebra-a, quer pela participação colec-tiva nos actos litúrgicos, especialmente a missa dominical e a celebração das festas para ela mais significativas, como o Natal, e a reza em casa, recorrendo aos vários exercícios da piedade popular, especialmente a consagração aos Corações de Jesus e de Maria e o terço do rosário. O Ritual da Celebração das Bênçãos reserva numerosas bênçãos à família: dos noivos (195ss) e suas alianças (210); da mãe antes e depois do parto (215ss); de criança por baptizar (156ss), já baptizada (135ss) e enferma (313ss); dos filhos (174ss); de adulto enfermo (290ss); de idoso (258ss); da família e seus membros (40ss); bênção anual (68ss); dos esposos nos principais aniversários (90ss) e noutras circunstâncias (107ss); de nova casa (489ss); da mesa da refeição em diversos esquemas e circunstâncias (782ss). 7. A Carta dos Direitos da Família (22.10.1983). “Apre-sentada pela Santa Sé a todas as pessoas, instituições e autoridades interessadas na missão da família no mundo de hoje”, esta Carta foi publicada a pedido do Sínodo dos Bispos sobre a Família (1980) numa proposição (n. 42) de 14 pontos, que o Papa transcreveu na Exort. Apost. *Familiaris consortio (1981). Apresentada por uma Introdução e um Preâmbulo, contém 12 artigos nos quais se desenvolvem os seguintes enunciados (aqui sintetizados): 1.º, Todos têm direito à escolha de estado de vida, de se casarem ou de ficarem celibatários; 2.º, o casamento só pode contrair-se com o livre consentimento dos esposos; 3.º, os esposos têm o inalienável direito de fundar uma família e de decidir do espaçamento e número dos filhos, tendo em conta as circunstâncias familiares e sociais e a hierarquia dos valores, com exclusão da contracepção, da esterilização e do aborto; 4.º, a vida humana deve ser absolutamente respeitada desde a concepção; 5.º, os pais têm o direito, primeiro e inalienável, de educar os filhos; 6.º, a família tem o direito de existir e progredir como família; 7.º, cada família tem o direito de viver livremente a sua própria vida religiosa; 8.º, a família tem o direito de exercer a sua função social e política na construção da sociedade; 9.º, as famílias têm o direito a contar com uma política familiar nos domínios jurídico, económico, social e fiscal; 10.º, as famílias têm o direito a uma ordem social e económica que torne possível aos seus membros viverem juntos e em condições favoráveis à sua unidade, bem-estar, saúde, estabilidade e sãos lazeres; 11.º, a família tem direito a habitação decente, adequada às suas dimensões e com acesso aos serviços básicos; 12.º, as famílias dos migrantes têm direito à mesma protecção social concedida às outras. |
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