|
Igreja |
| 1. Significado e uso do termo. Esta palavra (como as correspondentes nas línguas latinas: iglesia, église, chiesa…) derivada (através do latim) do gr. “ekklesía” (com a raiz do verbo ek-kalein = chamar) pode traduzir-se por assembleia convocada e reunida. Usava-se na linguagem clássica para designar a assembleia da polis (cidade). Na tradução grega dos *Setenta (AT) e nos textos (gregos) do NT, assumiu um carácter religioso. Hoje emprega-se para designar: a) a *assembleia litúrgica convocada e reunida para o culto de Deus; b) a comunidade local dos crentes (I. de Jerusalém, de Roma, de Lisboa…), a que hoje se dá o nome de *Igreja particular ou *diocese; c) a comunidade universal de todos os fiéis, a que se chama Igreja sem mais, ou então Igreja Católica, sobretudo para distinguir a Igreja dos católicos unida ao Papa, das Igrejas separadas (Ortodoxa, Anglicana, Evangélica…). Pode ainda empregar-se o termo em expressões como: I. primitiva, I. latina, I. Portuguesa… À família cristã também se dá o nome de *Igreja doméstica. Nas línguas anglo-saxónicas, o vocábulo equivalente (church, kirche…) deriva do gr. “Kyriakê” (= o que é pertença do Senhor). 2. A Igreja, mistério e sacramento. A I. é uma realidade complexa, ao mesmo tempo humana e divina, temporal e eterna, terrena e celeste, pelo que, dela, só à luz da fé se pode ter um conhecimento verdadeiro. Dizemos, assim, que a I. é: *mistério, no sentido teológico do termo, de realidade transcendente; e é *sacramento, no sentido amplo desta palavra, de sinal eficaz que torna presente esse mistério. Neste sentido amplo, se o primeiro sacramento foi Jesus Cristo, Verbo divino feito homem, para nos revelar e tornar acessível o próprio Deus, o segundo sacramento é a Igreja, pela qual J. C. cumpre a promessa, feita antes de subir ao Pai, de continuar presente no meio de nós até ao fim dos tempos. De facto a I. é presença real de J. C. ao longo dos tempos e pela terra inteira, no exercício do seu tríplice ministério profético, sacerdotal e pastoral. No exercício deste tríplice ministério, a I. recorre à linguagem sacramental, mediante o testemunho dos seus filhos, o anúncio das verdades evangélicas, a sua liturgia e particularmente os sacramentos e sacramentais. 3. Imagens da Igreja. A revelação bíblica, para nos falar da I., mistério e sacramento, recorre à linguagem expressiva das imagens e parábolas. Assim, a I., em parte coincidente com o *Reino de Deus, é-nos apresentada como redil, rebanho, agricultura, vinha, construção, família de Deus, templo santo, nova Jerusalém, nossa Mãe, esposa de Cristo. O Conc. Vat. II, convocado para redescobrir a I. (LG, caps.1 e 2), e o Catecismo da Igreja Católica (781-810), depois de evocarem tais imagens, detiveram-se em três, de entendimento mais globalizante e profundo: a) a Igreja Corpo Místico de Cristo, pondo em evidência a sua unidade orgânica e a sua comunhão vital com J. C.; b) a Igreja templo do Espírito Santo, pondo em evidência que, tal como Cristo, concebido, animado e ressuscitado pela acção do E. S., a I. tem, neste Espírito, que a dinamizou no Pentecostes, como que a própria “alma”, enriquecendo-a com os seus dons e carismas; c) a Igreja povo de Deus, pondo em evidência o carácter comunitário e visível, e a sua vocação e missão de povo sacerdotal, profético e real, levando a toda a humanidade o conhecimento, a salvação e a graça de Deus. 3. A Igreja una, santa, católica e apostólica. Tal como confessamos no *Credo, a I. goza de quatro notas ou traços essenciais da sua identidade e missão, intimamente ligados entre si (V. Cat. 811-870): a) A Igreja é una, graças à sua fonte (Deus uno e trino), ao seu fundador (J. C. Homem-Deus) e à sua “alma” (o Espírito Santo); e isto a despeito da diversidade dos seus filhos. São sinais desta unidade a profissão da mesma fé, a celebração do mesmo culto, a obediência aos mesmos pastores que Deus suscita como continuadores dos Apóstolos unidos a Pedro. É uma unidade de direito que, na realidade, se encontra ferida pelas heresias, apostasias e cismas, causadores de dolorosas separações que, não sendo totais, ela procura sanar pela própria renovação, pela conversão dos corações, pela oração instante, pelo diálogo com os irmãos separados, por diversas formas de colaboração, e pela formação ecuménica. (V. ecumenismo); b) A Igreja é santa, porque saiu das mãos de Deus, está unida a Cristo seu Esposo místico que por ela deu a vida, é animada pelo Espírito Santo, e é constituída, no Céu, por Maria e pelos eleitos plenamente santificados, e, na terra, pelos que vivem na graça de Deus e se tratam por “santos”, e detém os meios de santificação. Mas ao mesmo tempo, a I. da terra é feita de pecadores, para os quais ela procura a conversão e a santificação. (V. santidade); c) A Igreja é católica ou universal, num duplo sentido: 1) nela subsiste a plenitude do Corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que lhe assegura todos os meios de salvação: confissão da fé, vida sacramental, ministério ordenado na sucessão apostólica; 2) por J. C. foi enviada à universalidade do género humano: todos os homens são chamados a pertencerem ao único povo de Deus; já lhe pertencem os baptizados (e catecúmenos) de fé integral e comunhão visível com os bispos em união com o sucessor de S. Pedro; e, embora imperfeitamente, os demais cristãos, que não professam integralmente a fé católica ou não estão em comunhão com o sucessor de Pedro; e, quanto aos não cristãos, que ainda não receberam o Evangelho, também eles estão de uma ou outra forma ordenados para a Igreja, especialmente os judeus e os muçulmanos. A expressão “fora da Igreja não há salvação” deve interpretar-se positivamente no sentido de que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça, de que a Igreja é o Corpo, embora por outras vias que a misericórdia de Deus vai abrindo aos não evangelizados. (V. catolicidade); d) A Igreja é apostólica, porque fundada sobre o alicerce dos Apóstolos, que J. C. constituiu em colégio e mandou em missão, cujo ministério é hoje exercido pelos bispos seus sucessores, em comunhão com o sucessor de Pedro. Mas é também apostólica em todos os seus membros que, pelo Baptismo (e Confirmação), têm parte a seu modo nesse ministério, em particular pelo apostolado laical de evangelização e de cristianização do mundo. (V. fiéis, leigos). 5. Constituição hierárquica da Igreja. J. C. preparou a I. ao longo dos três anos de vida pública, anunciando o Reino, ensinando os homens a amar a Deus e ao próximo, recrutando e formando discípulos, e escolhendo de entre eles 12 que chamou Apóstolos, confiando-lhes, na Última Ceia e ao voltar para o Pai, o tríplice ministério de ensinar, santificar e governar com autoridade o povo de Deus. Este carácter hierárquico (do gr. = governo sagrado) manter-se-á até ao fim dos tempos, sendo assegurado pelos fiéis que, para ele vocacionados, são marcados pelo sacramento da Ordem. São os bispos, sucessores dos Apóstolos, cuja autoridade e missão lhes não vêm do povo (como nas democracias), mas de Cristo que é e permanece Cabeça da Igreja. De entre eles destaca-se o Papa, sucessor de S. Pedro, com o carisma e a missão de assegurar a verdade do ensino evangélico e a comunhão na Igreja. (V. primado, infalibilidade.) Os bispos, no exercício do seu tríplice ministério, são auxiliados pelos presbíteros, ordenados para o sacerdócio, e pelos diáconos, ordenados para o serviço. Para além dos membros da hierarquia, todos os fiéis leigos, marcados com o carácter do Baptismo (e o da Confirmação) e dotados dos mais variados carismas, têm parte na construção do Reino de Deus, participando, a seu modo, na transmissão da fé, na santificação da vida pessoal, familiar e social, e na extensão do Reino à terra inteira. De entre os membros da hierarquia e do laicado, o Espírito Santo concede a alguns o carisma da vida consagrada, os quais, no seguimento dos conselhos evangélicos, edificam a Igreja com o exemplo da sua vida e entregando-se a formas mais exigentes de apostolado. (V. apostolado, fiéis cristãos, cf. Cat. 871-945). 6. A tríplice missão da Igreja. Como “sacramento” (sinal eficaz da presença e actuação) de J. C., Profeta, Sacerdote e Pastor, à Igreja foi confiada uma tríplice missão: a) Missão de ensinar. Tem em vista guardar o depósito da revelação e propô-lo às pessoas de boa vontade, no desejo de que, pela adesão de fé a J. C., cheguem à vida da graça. No exercício desta missão, compete à hierarquia (Papa e Bispos) o *magistério eclesiástico, dotado de *infalibilidade (quando define dogmaticamente doutrina) ou de autenticidade (quando apela à obediência religiosa da inteligência e da vontade). No exercício do magistério, os Bispos são auxiliados pelos presbíteros e diáconos. Quanto aos leigos, também eles têm papel activo na evangelização do mundo, pelo exemplo de vida e pelas diversas formas de apostolado. (Cf. Livro III do CDC sobre o “Múnus de ensinar da Igreja”, c. 747-833); b) Missão de santificar. Tem em vista levar os fiéis à participação na vida de Deus pela graça, recorrendo especialmente à liturgia, aos sacramentos, aos sacramentais, à oração e exercícios de piedade popular, e à prática das virtudes e dons do E. S. Com a sua santificação, a I., unida a J. C., Sumo Sacerdote, eleva a Deus o louvor perfeito. No exercício desta missão têm papel primordial os fiéis marcados com o sacramento da Ordem, principalmente os bispos e presbíteros; mas também os leigos (consagrados ou não) para ela contribuem pela própria santificação e a dos outros, pelas práticas de piedade e por edificante testemunho de vida (cf. Livro IV do CDC sobre o “Múnus santificador da Igreja”, c. 834-1253); c) Missão de governar. A I. como rebanho, corpo, povo…, carece de unidade orgânica, e esta, por sua vez, apela a uma autoridade com poder de governo legislativo, executivo e judicial (cf. CDC 129ss). Como regra, só quem recebeu a sagrada Ordem é capaz de governo a que se chama jurisdição; mas também os leigos podem cooperar no respectivo exercício. A unidade, a ordem e a boa marcha do povo de Deus pressupõe uma autoridade, a de J. C., Chefe do povo e Cabeça da Igreja, que se exerce sacramentalmente pelos membros da hierarquia, o Papa, os Bispos, e com eles os restantes clérigos. Instrumentos deste exercício são as leis da Igreja, especialmente as que estão codificadas no CDC. Os principais níveis de organização eclesiástica são o universal (a cargo do Papa com o Colégio Episcopal), a Igreja particular (confiada a um Bispo) e, dentro desta, a paróquia. Pela obediência religiosa e pela cooperação inteligente e dedicada, todos os membros do povo de Deus contribuem para o bom governo da Igreja. 7. A Igreja como instituição. O carácter hierárquico da I. e a realização do seu objectivo fundamental de evangelizar e salvar a humanidade estão na base da sua estruturação orgânica, que se foi manifestando consoante o seu crescimento interno e sua expansão geográfica. Tendo começado por ser o conjunto das comunidades fundadas pelos Apóstolos e por eles unidas entre si, passou a sentir, sobretudo a seguir à “paz de Constantino”, a necessidade de um governo central que assegurasse a integridade da fé, a comunhão das Igrejas locais e o dinamismo evangelizador. Esta necessidade implicou estruturas e actividades cada vez mais complexas (lugares de culto, residência dos agentes da pastoral, instituições culturais e de bem-fazer…), não só em cada Igreja local, mas também e sobretudo no centro do governo universal, personificado no sucessor de Pedro (em Roma, na Igreja fundada pelo Príncipe dos Apóstolos). Hoje, o Papa, para o governo da Igreja Universal (além do governo da Igreja de Roma) dispõe de uma vasta Cúria Romana, com dezenas de *dicastérios e outros organismos destinados a assegurar a unidade e o dinamismo das várias Igrejas locais, dos institutos de vida consagrada e das diversas estruturas especializadas (missões, ecumenismo, cultura, acção sociocaritativa, exercício da justiça, etc.). Também as dioceses, consoante as necessidades e possibilidades, dispõem de uma Cúria Diocesana, que ajuda o bispo no seu governo pastoral. (A consulta do Anuário Pontifício e do Anuário Católico de Portugal permite fazer uma ideia da actual complexidade da organização da I.). O peso institucional tem variado ao longo da história, tendendo a aumentar quando estão em risco a pureza da fé, o culto divino e o dinamismo apostólico. O actual clima democrático pode levar a conceber a Igreja mais como comunidade do que como sociedade, o que se reflectiu no Conc. Vat. II. O Espírito Santo fará encontrar o equilíbrio entre estas duas tendências. 8. A Comunhão dos Santos. Por esta expressão, que se encontra no Credo, entende-se, em primeiro lugar, a Igreja nos seus três estádios, constituída pelos fiéis que peregrinam no mundo ao longo dos tempos, pelas almas eleitas que se purificam no Purgatório, e pelos santos que, com Maria, já se encontram na glória celeste. Entre todos pode e deve haver comunhão e comunicação, nomeadamente mediante a oração de súplica, de expiação e de intercessão. Em segundo lugar, a expressão C. dos S. significa a participação de todos nas coisas santas: a fé da Igreja, o culto verdadeiro e os sacramentos, a caridade fraterna e outros carismas, e a partilha generosa dos bens deste mundo pelos que deles necessitam. 9. A Igreja no tempo (breve síntese histórica). A Igreja, depois de preparada pelo AT ao longo de 18 séculos, tem, desde a sua fundação por J. C., cerca de vinte séculos de história. Os primeiros, em clima difícil de perseguição, foram de implantação e rápida expansão pelo trabalho dos Apóstolos e seus sucessores, permitindo-lhe afirmar-se na sua verdadeira entidade. Seguiram-se séculos de definição teológica dos principais artigos da fé cristã, nos primeiros concílios ecuménicos, em ambiente de ligação com o Império Romano. Com a destruição deste, pela invasão dos povos bárbaros, a Igreja viu-se só na tarefa de fixar, civilizar e evangelizar estes povos, abrindo desta forma os caboucos para a Cristandade Medieval e para a formação das novas nações europeias. Um novo ideal surgiu, de submeter a ordem política à ordem religiosa, o qual foi favorecido pela reacção de defesa contra o Islão que, no séc. VII, cercou a Europa e nela penetrou. Foi o tempo do Império Romano do Ocidente e mais tarde das Cruzadas. A influência cultural do Islão fez-se sentir no culto das ciências e do pensamento clássico, abrindo novos horizontes à Igreja, quer na missionação dos novos mundos descobertos ou tornados mais acessíveis a partir do séc. XV, quer na abertura das consciências a novas formas de relacionar a religião com a razão. Seguiu-se a crise do Protestantismo (séc. XVI) que, depois do Cisma do Oriente (séc. XI), feriu profundamente a unidade da Igreja. O reformista Conc. de Trento não foi suficiente para impedir o avanço das novas ideias que, em breve, levariam ao Iluminismo e ao Racionalismo (sécs. XVII-XIX). É certo que, nestes tempos difíceis, não faltaram figuras de papas, de bispos e de santos que defenderam e promoveram a Igreja no essencial. No último século, a Igreja, mais pobre, provada e livre, entrou em fase de renovação, de que o Conc. Vat. II é acontecimento paradigmático. Ao entrar no terceiro milénio, a Igreja procura nova forma de estar no mundo e de prosseguir a sua missão de evangelizar todos os homens e o homem todo. |
É expressamente interdita a cópia, reprodução e difusão dos textos desta edição sem autorização expressa das Paulinas, quaisquer que sejam os meios para tal utilizados, com a excepção do direito de citação definido na lei. |