Comissão Nacional Justiça e Paz

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Glosando um poema de José Augusto Mourão

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Abre nossos ouvidos

Deus de quem tocamos as margens
do lado de cá das fronteiras
da palavra, as linhas contrárias;
abre os nossos ouvidos
aos corredores de vozes
que nos atravessam
(...)
e livra-nos do mal absoluto
que é não haver ninguém que nos responda.

Esta manhãzinha, ao saborear mais um poema do José Augusto Mourão, senti-me ligada como nunca à tragédia dos que atravessam o Mediterrâneo em busca de uma “terra prometida” mas inacessível e pedi pelas margens que se tornaram fronteiras. Mais 450 náufragos a somar aos mais de 750 mártires do passado domingo!

Pedi pelas margens de lá, de onde partem os corredores de vozes que suplicam gestos solidários, mas pedi ainda pelos criminosos que os traficam, quais escravos do século XXI; pedi pelas margens de cá, feitas pedra, montanha intransponível, egoísmo auto-complacente, que se deslocam em políticas de salão em vez de saírem à rua para gritar compaixão e encontrar soluções colectivas e que responsabilizem todos.

Livra-nos deste mal absoluto, Senhor, contra o qual o Papa Franscisco nos interpelou há dias, exigindo que não viremos costas ao Gólgota do Mediterrâneo, esse mar azul que foi esperança  de Aleluias durante séculos e agora é cemitério de inocentes...  Onde a voz dos cristãos da Europa? Onde a voz dos bispos a quem confiámos guiar as Igrejas europeias?

Livra-nos do pecado da globalização da indiferença, das “Lampedusas-ilhas” de solidão e desumanidade que se vão instalando um pouco por todo o mundo... sendo que este país de marinheiros “universais” que iniciaram a globalização nos séculos XV e XVI estar a criar também “lampeduas” dentro das suas fronteiras, e se tem instalado  em tanta pequenez ignorante, mesquinha, temerosa e miúda, voltada para si e para sua circunstância imediata.

Livra-nos do grito desesperado Não há ninguém que nos responda!

Faz-nos encontrar mãos que afaguem e salvem; dedos que apontem, implacáveis, a injustiça; mãos que se deixem atravessar pelos corredores de vozes e prometam redenção; mãos que teçam palavras mas, sobretudo,  ações coletivas e gestos redentores, à maneira de Cristo Ressuscitado!

Teresa Vasconcelos