Pendurei-me na minha camisa branca para gritar a minha adesão ao “somostodospessoas”. Depressa senti um sobressalto, uma agitação, porque por momentos tinha a alma em paz, já tinha o “dever cumprido” com a camisa branca, mas já está tudo feito?
Entretanto, à janela dos dias perpassa o cinzentismo de nuvens carregadas de intolerâncias, argueiros ou traves, eus inchados de mesquinhas razões, subtis interesses, vãs aspirações de glórias.
E o cinzentismo carrega lágrimas destiladas de tantas dores que, mesmo sem nos darmos conta, fazem germinar sementes novas e a verdade é procurada entre a humildade das incertezas.
O cinzentismo perturba porque nos quer fazer crer na monotonia do ‘não vale a pena’, de um fatalismo castrador da reação.
O cinzentismo exacerba o negativo como se estivéssemos numa via sem saída.
Poderá ter passado ao lado do cinzentismo o recente debate na ONU sobre a Promoção da tolerância e reconciliação: favorecendo sociedades pacíficas, inclusivas e neutralizando o extremismo violento, nos dias 21 e 22 de abril. Do Palácio de Vidro em Nova Iorque foi possível entrever uma fresta de um caminho com outras cores. Por iniciativa do Presidente da Assembleia Geral Sam Kutesa, do Secretário-Geral Ban Ki‐moon e do Alto Representante da Aliança das Civilizações Nassir Abdulaziz Al‐Nasser, participaram os 193 Estados Membros e foram convidados diversos líderes religiosos.
No primeiro dia foram as intervenções dos Estados Membros e o segundo abarcou as potencialidades da dimensão religiosa com as intervenções de diversos líderes religiosos que apresentaram o papel dos diferentes grupos e comunidades na promoção da tolerância diante das diferenças, o valor da liberdade de expressão baseada nos direitos humanos e a promoção de uma práxis social e política agregadora de um pluralismo em prol do bem comum e capaz de ser alternativa aos extremismos que parecem dominar o presente.
Uma perspetiva de 360 graus abarcando as intervenções de Abdallah bin Bayyah, presidente do Forum for Peace in Muslim Societies, David Rosen, diretor internacional para os assuntos inter-religiosos do American Jewish Committee, H. H. Samdech Tep Vong, Great Supreme Patriarch of the Kingdom of Cambodia, Beatriz Schulthess, presidente do Indigenous Peoples Ancestral Spiritual Council, Bhai Sahib Mohinder Singh, presidente do Guru Nank Nishkam Sewak Jatha e Maria Voce, presidente do Movimento dos Focolares, e ainda Laura Trevelyan, jornalista da BBC, como moderadora.
A intervenção de Maria Voce, uma mulher forjada na ‘cultura de confiança’ de um Deus-Amor, centrou-se na narrativa de uma vida, feita de muitas vidas, um movimento nascido entre os escombros da Segunda Guerra Mundial e que foi capaz de “esmagar o círculo vicioso da violência com gestos e ações que no clima do conflito poderiam parecer irrealistas ou irrelevantes”. Depois teceu um paralelismo com a realidade de hoje onde em muitas partes do mundo se percebe o esboroar das instituições políticas, económicas e sociais incapazes de estancar os conflitos e a violência gritando um novo paradigma. Foi oferecida a experiência do “encontro entre culturas e religiões” “que não se limita à tolerância ou ao simples reconhecimento da diversidade, que vai mesmo além da fundamental reconciliação”. É um diálogo que constela os cinco continentes, desde as grandes metrópoles aos mais recônditos lugares, um diálogo que abarca respostas concretas às necessidades e desafios para uma nova humanidade capaz de voltar costas aos fratricídios e se torne mais fraterna.
Diante dos extremismos múltiplos, não podemos ser mornos, tíbios, envergonhados, mas a resposta só pode ser do mesmo calibre através do «extremismo do diálogo», afirmou Maria Voce! Depois pincelou o diálogo com palavras precisas: incompreensão, medo, ressentimento, envolvimento, risco, exigência, desafio.
Baseando-se na iniciativa da ONU da «Aliança das Civilizações», propôs um passo avante para a "Civilização da Aliança", um caminho para uma civilização “que faz do diálogo a estrada para nos reconhecermos livres, iguais e irmãos”.
Ali, diante dos senhores do mundo falou da segurança que “apesar de indispensável, não equivale necessariamente à paz” e que, à escala planetária, se dê um passo de “amar a pátria do outro como a própria”, o desafio lançado por Chiara Lubich em 1977 para uma efetiva e real fraternidade universal.
Trabalhar juntos, países ricos e pobres, com elevados índices de escolaridade ou onde a educação ainda é um luxo, marcados por opções religiosas ou aconfessionais, todos numa paridade corajosa para “inventar a paz”.
Qual o contributo das religiões?
A regra de ouro – faz aos outros o que gostarias fosse feito a ti; não faças aos outros o que não gostarias fosse feito a ti – é relevada como um caminho que se percorre passo a passo numa partilha de sofrimentos e alegrias.
Maria Voce fez-se acompanhar de um jovem, expressando assim uma realidade presente que olha para o futuro.
Um evento que não ficou circunscrito a umas horas nem ficou confinado às paredes da ONU, mesmo se de vidro, pois estes debates farão parte dos conteúdos da Agenda para o Desenvolvimento pós 2015 onde tolerância e reconciliação deverão pontificar e fazer germinar uma cultura social pacífica, inclusiva e fraterna, capaz de reinventar a paz, sempre nova a cada momento.
José Maia, 26.abril.2015