“É verdade que uma tragédia global como a pandemia do Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos. Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvar-nos juntos. Por isso, «a tempestade – dizia eu – desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. (…) Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, esta (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos».”
A citação que encabeça estas linhas, e que tomo do nº 32 da Encíclica Fratelli Tutti, traduz bem o momento histórico em que nos encontramos. Uma pandemia está a afetar-nos a todos revelando, simultaneamente, quais são as nossas fraquezas, mas também quais são as nossas fortalezas e possibilidades, tornando ainda mais visível, como explicitamente afirma o texto, esta abençoada pertença comum. Numa situação como estas, julgo não ser muito difícil entender a necessidade de nos unirmos para juntos podermos dar os passos necessários de modo a efetivamente lidar com a situação. Apesar do muito sofrimento e das gravíssimas consequências sociais que já se fazem sentir e certamente se irão ainda agravar mais, estamos perante uma oportunidade única para ensaiar caminhos diferentes e ousar criar um mundo que seja verdadeiramente novo, não nos contentando com um simples voltar a uma nova normalidade, que, no meu entender, acaba sempre por ter como horizonte a situação anterior à pandemia, onde já muitos intuíamos que era necessário introduzir alterações nos comportamentos e na organização das nossas sociedades.
A oportunidade está, portanto aí, exigindo que saibamos fazer as devidas leituras e tomar as oportunas ações, sendo para isso necessário a capacidade de um olhar e um pensar globais. Muito atento à realidade que estamos a viver, o papa Francisco tem sido uma daquelas vozes que nos alerta para esta oportunidade e nos interpela a esta atitude. Isso parece-me estar evidente na mensagem que redigiu para o dia mundial da paz (1 de janeiro de 2021), onde nos interpela a desenvolver uma cultura do cuidado de modo a, como refere a mesma, colaborarmos, todos juntos, a fim de avançar para um novo horizonte de amor e paz, de fraternidade e solidariedade, de apoio mútuo e acolhimento recíproco, não cedendo à tentação de nos desinteressarmos dos outros, especialmente dos mais frágeis, não nos habituando a desviar o olhar, mas empenhando-nos cada dia concretamente por «formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros».
É precisamente dentro desta linha que também leio a convocação do ano dedicado a São José (8 de dezembro de 2020 a 8 de dezembro de 2021) e do ano especial dedicado à família (19 de março de 2021 a 26 de junho de 2022 data em que se celebrará ao X Encontro Mundial das Famílias). Ao contrário do que possa parecer a uma primeira leitura superficial, estes dois acontecimentos não apontam em sentidos diferentes, mas, pelo contrário, confluem os dois na mesma direção, convidando-nos a aprofundar a cultura do cuidado, atrás referida, como pedra angular a ter em conta nos caminhos que temos de percorrer.
Dos mais diversos modos, o Papa interpela-nos ao mesmo, o que me parece querer evidenciar a importância que lhe atribui. Com o ano de S. José aponta-nos o testemunho daquele que diariamente, na retaguarda, num trabalho nem sempre visível, nem sempre anunciado aos quatros ventos, nem sempre destacado, cuida de Maria e de Jesus, sugerindo, de um modo claro, como essa atitude e estilo de vida é hoje fundamental. Já no início do seu pontificado, Francisco tinha apresentado a figura de José e o seu exercício de cuidado como inspiração do modo como o Bispo de Roma deveria exercer, no presente, o seu magistério. Com o ano especial da família - evocando a celebração do quinto aniversário da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, sobre o amor na Família, onde explicitamente se diz, no nº 31 que “o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja” - é também o cuidado que pode ser destacado, pois todos sabemos, por experiência própria, como o exercício do cuidado, fundamentado no amor, é um dos cimentos com que se constrói a vivência familiar.
O desafio está lançado, dirigindo-se a todos, como bem podemos testemunhar na Fratelli Tutti, à qual de novo recorro, para sublinhar aquele sonho que o Papa enuncia (nº 8) e que, no meu entender, traduz de um modo significativo o que está em jogo: “sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma Terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.”
De um modo muito especial, e no meio desta situação também tão especial, as comunidades cristãs são convidadas a iniciar e testemunhar este caminho. Na ousadia e criatividade que tiverem a este nível, julgo eu, poderão encontrar um bom indicador para aferir a sua fidelidade à missão.
Ambrosio, Juan. (2021, Março 21). Mensageiro do Apostolado de Oração