Já lá vai o tempo em que por muitos cantos das nossas cidades e vilas se viam bandeiras azuis e amarelas como sinal de solidariedade com o povo ucraniano, vítima da agressão do exército russo. Em que simples cidadãos espontaneamente se dirigiam à fronteira polaca para acolher refugiados que depois traziam para o nosso país. Desde há décadas que não se via na Europa um tal êxodo de pessoas em fuga da guerra e uma tão generosa vaga de solidariedade para com elas, desde os países vizinhos aos mais distantes, como o nosso.
Saíram da Ucrânia cerca de 6 milhões de refugiados e são cerca de 3,6 milhões os deslocados internos.
Passados dois anos, parece que essa vaga de solidariedade esmoreceu. A guerra continua e o invasor vai ganhando terreno. A economia europeia e mundial ressente-se. Outra guerra desvia a atenção desta. O cansaço leva políticos e cidadãos a pensar em desistir de apoiar a Ucrânia.
Contra essa tendência, reagem as comissões Justiça e Paz europeias. Quiseram realizar a reunião anual dos seus secretários gerais na Ucrânia, mas óbvias razões de segurança levaram a que a reunião fosse transferida para Berlim, com a participação de refugiados aí residentes. O comunicado final dessa reunião apela à continuação de todos os esforços solidários de apoio à Ucrânia. Enaltece o testemunho dos militares que arriscam a vida pela liberdade e segurança em toda a Europa. Enaltece o acolhimento dos refugiados, que carecem de apoio moral e psicológico. Salienta como esses refugiados têm procurado integrar-se nas sociedades que os acolhem, para elas contribuindo com o seu trabalho. Apela aos governos para que exerçam todo o tipo de pressões diplomáticas sobre o governo russo para que cesse a guerra.
Depois desse encontro, uma pequena delegação da Justiça e Paz Europa, composta pelo presidente, a co-presidente e o secretário geral, deslocou-se a Lviv, onde foi recebida pelo representante da comissão ucraniana, os bispos locais da Igreja greco-católica e os dirigentes da Universidade Católica e da Cáritas. O relatório dessa visita dá uma imagem fiel do sofrimento que vive hoje o povo ucraniano;: faz referência aos alunos e estudantes dessa universidade que combatem na linha da frente e aos que, entretanto, faleceram; aos funerais de soldados que se sucedem quase todos os dias; às famílias divididas com crianças que não vêm os pais ou os perderam, ao apoio psicoterapêutico de que muitos militares carecem, aos sinais visíveis de bombardeamentos que também atingem esta cidade bem distante dessa linha da frente. Não deixa, porém, de sublinhar a resiliência e a esperança que nos ucranianos em geral, e nos católicos em especial, ainda não morreram.
Compreendo que a vários ucranianos tenha ouvido dizer que esta guerra tem de ser ganha a todo o custo (assim o disseram também nestas ocasiões), que nela se joga também a liberdade da Europa e que não é viável qualquer negociação diplomática com o governo russo. Por isso, tem sentido o sacrifício dos que perderam a vida nesta guerra. Mas, pensando neles e nos demais que poderão também perder a vida nesta tragédia sem fim à vista, continuo a achar que não podemos desistir nunca de alcançar a paz através da diplomacia. Não se trata de capitular perante a injustiça ou de premiar o infrator. Trata-se de alcançar, com coragem e criatividade, a justiça e a paz, uma e outra. Não posso esquecer o que ouvi ao Papa Francisco no Centro Cultural de Belém:
«Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a caracteriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?»
Pedro Vaz Patto
* Artigo inicialmente publicado no jornal digital Voz da Verdade