Salários justos contra a pobreza
Há dias, participei num encontro promovido pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) em parceria com as direções nacionais de outras instituições da Igreja Católica. Esta Comissão realiza, todos os anos, um Encontro Nacional. Entre os parceiros estavam dois que, na sociedade civil, costumam ser antagónicos: empresários e trabalhadores. Fiquei muito feliz por saber que um grupo criado pelos meus saudosos amigos, insignes cidadãos e cristãos católicos, Acácio Catarino e Alfredo Bruto da Costa, continuava ativo. Pessoalmente, penso que este esforço de convergência se deveria estender aos diferentes posicionamentos eclesiais católicos em ordem a dar-se exemplo de como é possível viver em unidade na diversidade.
Quanto ao evento da CNJP, o tema escolhido - “Salários justos contra a pobreza” - é muito antigo e, dramaticamente, ainda muito pertinente. O acesso, com qualidade, à educação, na qual se inclui a escolarização; à habitação; a cuidados de saúde; a outros bens indispensáveis a uma digna subsistência comportam encargos que exigem rendimentos do trabalho suficientes. Como se sabe, Portugal tem indicadores socioeconómicos que põem em risco a sustentabilidade do seu desenvolvimento e até da democracia. Em 2020, 18,4% dos portugueses encontravam-se em situação de pobreza. Entre esses, 46,5% estavam sem trabalho. Os que trabalhavam e auferiram salários baixos, 11,2% eram dos pobres. Em julho de 2022, 20,8% dos contratos de trabalho eram a termo e, destes, 62,2% atingiam os jovens, o que reflete uma forte precariedade laboral. Também a remuneração dos contratos a termo é 40% inferior à dos permanentes. O acesso ao trabalho digno é um dever e um direito inalienável de cada pessoa. O salário digno é um direito incondicional. Tudo está no respeito pelos princípios éticos que devem reger as relações dos empregadores com a criação de riqueza, os seus deveres de criarem condições de trabalho, incluindo salários dignos e relações humanistas com os seus colaboradores. As estes, entregarem o seu trabalho não como um castigo, mas com competência, dedicação, criatividade, lealdade, honestidade.
Uma das constatações do Manifesto, que foi aprovado no Encontro a que aludi (Pode ler-se: http://www.ecclesia.pt/cnjp/) diz o seguinte: No combate à pobreza é fundamental a criação de empregos justamente remunerados. Os subsídios devem ser sempre «um remédio provisório para enfrentar emergências», porque o objetivo é o de conseguir uma vida digna através do trabalho (ter a dignidade de «trazer o pão para casa». «O trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações a dias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se co-responsável do mundo e, finalmente, viver como povo»[1].
Salários justos exige uma mais justa distribuição da riqueza e uma diminuição dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. Os empresários não seriam jamais patrões, mas investidores com garantias de maior produtividade; os trabalhadores não se sentiam mais mão-de-obra, mas colaboradores dos investidores e promotores de desenvolvimento; a pobreza seria uma palavra menos pronunciada em Portugal.
Eugénio Fonseca
Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado