
Sempre que nos abrimos, prosperámos, sempre que nos fechámos, regredimos
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
É intensamente ruidoso o tempo em que se vive. Informações que se cruzam, notícias que não são notícias, factos que são meras perceções sem fundamento, numa sociedade assolada por conflitos terríveis, que se adensam sem fim à vista. A opinião pública está fragmentada, nada é mobilizador. O excesso do que se vê, se ouve e se vive, aumenta o medo, divide as comunidades, potencia a indiferença, torna possível normalizar a violação dos princípios fundadores da nossa construção humana. O chão comum da construção coletiva abre fissuras, sem critérios de justiça, sem a qual não há paz, que ameaçam severamente o futuro de todos.
E tudo isto já aconteceu. É preciso não esquecer. Foi assim com conflitos e perseguições no passado, está a ser assim no presente.
Portugal não está imune a esta corrente avassaladora. A hostilidade crescente relativa ao diferente, a amplificação do medo do estrangeiro, a fabricada ameaça do que nos é/pode ser tirado, são traços marcantes da nossa sociedade. Adormecida numa indiferença que tudo vai normalizando, que se vai fechando, excluindo progressivamente o que não cabe na pretensa norma cada vez mais estrita, injusta e desumana.
Sabemos que sem normas, regulações, nenhuma sociedade sobrevive. Mas normas justas, que cuidem da segurança e que preservem os direitos humanos de todos, igualmente. Cuidar da segurança, muito mais do que verificar se os requisitos de entrada estão satisfeitos, é garantir que as condições de acolhimento e integração se verificam. Não pode haver direitos de acesso à saúde, educação, saúde ou trabalho, diferentes consoante a origem ou a cor. Não pode haver direito à família, diferente.
É preciso não esquecer que todos somos iguais, na nossa inviolável dignidade humana, na nossa esplendida e fecunda diversidade.
É preciso não esquecer que todos somos, fomos ou seremos imigrantes. Porque nos foi, é ou será reconhecido o direito fundamental a procurar uma vida melhor.
Também os que nos procuram, querem uma vida melhor, e contribuem para que a vida de toda a comunidade seja melhor, mais próspera.
A justeza de critérios claros que estabeleçam regras, razoáveis, que protejam os que estão e os que entram, não pode nunca ser confundida com a atribuição de direitos desiguais. Somos todos iguais, os que estavam e os que chegam.
Felizmente, em Portugal, há instituições que garantem estes princípios fundamentais, e a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional e o veto do Presidente da República, da Lei de Estrangeiros, são a expressão deste facto.
Contudo, é preciso estar alerta. A repetição constante de ameaças para as quais não há fundamento, a identificação fictícia de grupos responsáveis por essas inexistentes ameaças, dividem, confundem, atordoam, normalizam, fazem o caminho para uma sociedade excludente, injusta. Todos somos coniventes pela indiferença, com o silêncio.
É preciso estar alerta, não desistir, nem esquecer. Somos todos iguais, em dignidade, na nossa esplendida diversidade. Todos fazemos parte, todos somos necessários nesta construção comum, todos carecemos da mesma proteção, todos partilhamos da mesma responsabilidade coletiva.
É preciso não esquecer a imensa lição da História: sempre que nos abrimos, prosperámos, sempre que nos fechámos, regredimos.
Lisboa, 29 de setembro de 2025
A Comissão Nacional Justiça e Paz
COMBATE À POBREZA, UM DESÍGNIO NACIONAL
A Comissão Nacional Justiça e Paz, a Comissão Justiça, Paz e Ecologia dos Institutos Religiosos, as Comissões Arquidiocesanas Justiça e Paz de Braga e Évora e as Comissões Diocesanas Justiça e Paz do Algarve, de Aveiro, de Bragança-Miranda, de Lamego, de Santarém, de Setúbal, de Viana do Castelo, de Vila Real e de Viseu querem declarar conjuntamente o seguinte:
Os dados revelados pelo recente estudo da Cáritas Portuguesa “Pobreza e Exclusão Social em Portugal” (https://caritas.pt/wp-content/uploads/2025/03/Estudo-da-Pobreza_2.pdf ) assinalam que, embora nos últimos anos tenha havido alguma melhoria nos indicadores da privação material e social da população portuguesa, o ritmo do progresso é manifestamente insuficiente para atingir as metas estabelecidas na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Particularmente preocupante é a deterioração do acesso à habitação e da garantia de condições mínimas de vida dignas, com o aumento das pessoas sem-abrigo e de famílias a viver em condições claramente desadequadas.
Numa fase em que um novo governo inicia funções, as referidas Comissões Justiça e Paz querem afirmar que consideram as metas e objetivos de combate à pobreza um desígnio nacional prioritário que deve mobilizar, com empenho, firmeza e determinação, o Estado como um todo, a sociedade civil e as Igrejas e comunidades religiosas.
8 de julho de 2025
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É TEMPO DE GRITAR PELA PAZ
Diante do horror da situação que se vive na faixa de Gaza, que testemunhamos dia após dia e que continua a agravar-se numa desproporcionalidade desmedida, a Comissão Nacional Justiça e Paz quer juntar a sua voz a todos os que clamam pela Paz.
Esta guerra foi desencadeada como reação aos deploráveis ataques terroristas da responsabilidade do Hamas que vitimaram cidadãos israelitas inocentes. Alguns destes continuam até hoje como reféns — uma realidade que condenamos firmemente e que exige uma resolução imediata. É tão inegável a barbárie dos atos de 7 de outubro de 2023, quanto o direito de defesa de uma nação. Porém, essa reação desde há muito excedeu critérios de legítima defesa e proporcionalidade. Provocou, e continua a provocar, a morte de várias dezenas de milhar de palestinianos inocentes. É particularmente abjeta e revoltante a morte e o sofrimento de crianças, a quem é negado o futuro.
A reação de Israel tem assentado em práticas, que se qualificam como crimes de guerra e contra a humanidade, com o alvo sistemático de civis indefesos, e a recusa de fornecimento de água e alimentos necessários à sobrevivência das pessoas que ali vivem. Consideramos por isso, como tantas vozes internacionais que se fazem ouvir cada vez mais alto, que devem ser levados a sério os propósitos do governo israelita, com o apoio do governo norte-americano, de eliminação e deportação coletiva da população residente na faixa de Gaza. Estes propósitos não favorecem a libertação dos reféns israelitas, não reduzem a adesão de muitos palestinianos ao Hamas, nem contribuem para que, no futuro, os povos desta região possam viver em paz e segurança.
Consideramos igualmente inaceitáveis tanto as manifestações de ódio contra o povo judeu como a associação automática entre críticas às políticas do governo de Israel e o antissemitismo, uma vez que a denúncia da situação atual é partilhada por muitas pessoas de fé e cultura judaicas.
Com esta nota, a Comissão Nacional Justiça e Paz repudia as práticas desumanas e desrespeitadoras do Direito da guerra, e espera da parte dos governos da União Europeia, pedindo em especial ao governo português, ações concretas de suspensão da cooperação com o governo de Israel, sob pena de incoerência com os princípios de defesa dos direitos humanos que regem essa União.
Associamo-nos, plenamente, ao secretário geral da O.N.U. no sublinhar de que o caminho para uma paz justa para a Terra Santa só pode ser alcançado através do reconhecimento de dois Estados que correspondam aos direitos dos povos israelita e palestiniano.
A Comissão apela a todas as comunidades religiosas, em particular a comunidade católica, para que continuem unidas na oração pela Paz naquela região do mundo e em todos os contextos feridos pela guerra, dando testemunho de que a fé não pactua com a indiferença nem com a violência, mas é caminho de reconciliação, justiça e compromisso com a dignidade de todos os seres humanos.
Exprimimos também a nossa solidariedade para com todas as pessoas da Terra Santa, em especial as que (sobre)vivem na Faixa de Gaza, e renovamos o propósito de rezar para que, apesar de tudo, elas não percam a esperança de um futuro de justiça e paz.
Lisboa, 11 de junho de 2025 A Comissão Nacional Justiça e Paz
Na sequência desta nota, propomos que ao longo do mês de Junho, e em jeito de oração, juntemos a voz das nossas comunidades cristãs a todas as pessoas de boa vontade, dizendo:
Escuta, Israel, o clamor que se ergue do pedaço de terra que transformaste em campo de concentração.
O clamor daqueles que se encontram reféns de terroristas e às mãos da tua cólera desmedida.
Escuta, Israel, a voz do Senhor Nosso Deus que te manda ter piedade do órfão e da viúva.
Lembra-te, Israel, de como o nosso Pai Abraão se abeirou do Altíssimo para lhe pedir clemência da cidade inteira ainda que nela apenas houvesse dez homens justos. “Destruirás o justo com o injusto?” (Gn 18, 23). E lembra-te de como por causa dos dez justos o Senhor poupou Sodoma (Gn 18, 31).
«A misericórdia e a verdade vão encontrar-se, vão beijar-se a paz e a justiça; da terra há de brotar a verdade, e a justiça espreitará do céu» (Sl 85, 11-12).
Não mais sangue, Israel. Não mais sangue. «A força de um rei está em amar a justiça» (Sl 99, 4). Não em aniquilar, nem mesmo os inimigos.
Lembra-te, Israel, dos duros cativeiros que sofreste e não queiras pagar o mal com o mal, nem curar as tuas feridas com crueldade.

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz sobre a eleição do Papa Leão XIV
A Comissão Nacional Justiça e Paz vem exprimir o seu júbilo pela eleição do Papa Leão XIV, sinal da perene vitalidade da Igreja.
Nela vê também um sinal de continuidade em relação à preocupação com os desafios do nosso tempo.
A experiência pastoral do Papa eleito (de missionário ao serviço de um povo pobre) e as palavras que nos tem dirigido desde a sua eleição, fazem-nos estar certos de que o seu pontificado será marcado pelo forte empenho nas causas da Justiça e da Paz, à luz do Evangelho e da doutrina social da Igreja.
Queremos manifestar a nossa comunhão com o Papa Leão XIV nesse seu empenho, inseridos no caminho sinodal a que somos chamados.
Pedimos a Deus que lhe dê sabedoria, força e coragem, confiando que as ações do seu pontificado serão sempre inspiradas pelo Espírito Santo.
Lisboa, 12 de maio de 2025 A Comissão Nacional Justiça e Paz
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