Comissão Nacional Justiça e Paz

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VASCO MINA, UMA LIÇÃO DE VIDA

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Vasco Mina, vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz chegou ao fim da sua viagem nesta terra.

O seu empenho na Comissão Nacional Justiça e Paz foi apenas um dos muitos outros empenhos eclesiais e sociais (nestes últimos se incluindo o da política) a que dedicou a sua vida e que mereceriam destaque.

Mas o maior destaque que me parece deva ser dado da sua caminhada terena será o do modo como viveu a sua doença e se preparou para a morte. Ouvi dizer um dia de uma pessoa que em muito inspirou a minha vida e cuja causa de beatificação está hoje em curso, que ela nos ensinou a viver, mas também a morrer. Penso que poderá dizer-se também do Vasco que ele nos ensinou a morrer. Na verdade, não me recordo de outra pessoa dos meus conhecimentos mais próximos que tenha encarado a doença e a morte por esta provocada de uma forma tão corajosa, mas também tão natural e serena, e com uma tão autêntica fé no amor de Deus e na Ressurreição.  

Durante muito tempo, o Vasco partilhou com um grupo dos seus numerosos amigos a evolução da sua doença, descrevendo com minúcia os tratamentos, confiando plenamente na ciência medida e sem nunca perder a esperança de cura. Depois de pensar que a batalha estava vencida, uma recaída (um “balde de água gelada” – disse ele) não o fez perder nem a coragem, nem a esperança. Mas depois de esgotados todos os esforços, deles e dos seus médicos, verificou que nada mais havia a esperar da ciência e comunicou a todos os seus amigos que se aproximava da «última estação do comboio».

Durante esse período, dinamizou o grupo “Ao Terceiro Dia”, um grupo de interajuda e comunhão de experiências entre pessoas atingidas por doenças graves.  O que tal grupo procura é, como ele afirmou, encontrar uma luz e um sentido para essas doenças.

Quando concluiu que se aproximava da «ultima estação do comboio», disse a todos os seus amigos que nada mais lhe restava do que preparar-se para morrer cristãmente. E assim fez. Convidou todos os seus amigos para uma missa de ação de graças pela sua vida. Perante uma igreja repleta, enumerou todos os dons que havia recebido de Deus ao longo da sua vida, a começar pela família, a esposa e os filhos, e também as riquezas que lhe proporcionaram os seus múltiplos empenhos na Igreja e na sociedade. Quando poderia ser tentado (como qualquer um de nós no seu lugar) a revoltar-se pela sua morte precoce e por parecer inútil toda a sua árdua luta conta a doença, esqueceu tudo isso e não fez senão agradecer a Deus pela sua vida. Eu nunca tinha visto uma atitude como esta e nunca mais a esquecerei. 

Quando a sua mãe faleceu, Santo Agostinho disse que não se lamentava por Deus lha ter “tirado” e que agradecia a Deus por lha ter “doado”. Também assim fez o Vasco; não se lamentou por Deus ter permitido que sua vida terminasse mais cedo do que gostaria, mas agradeceu a Deus por tudo o que a vida lhe proporcionou. Eis uma parte da sua lição: muitas vezes lamentamos o pouco que não temos esquecendo o muito que recebemos de forma gratuita e imerecida.

É certo que esta postura do Vasco perante a morte não poderia deixar de ser movida pela sua fé na ressurreição, sem a qual, como diz São Paulo, seríamos «os mais infelizes dos homens». Ele sabia que «não temos aqui morada permanente», que com a morte «a vida não acaba, apenas se transforma» e que nos espera a Vida em plenitude junto de Deus. Mas, nós que também nisso acreditamos, nem sempre damos um testemunho tão convincente como nos deu o Vasco com o modo como viveu a sua doença e se preparou para a morte.

Nem sempre é fácil encontrar um sentido para a doença e para o sofrimento. Quando há quem pense em responder com a antecipação da morte para a suposta falta de sentido da doença, o Vasco mostrou-nos que a vida tem sentido e valor até ao último momento. Pela forma como viveu a sua doença e os últimos momentos da sua vida, deu-nos um testemunho talvez mais eloquente e frutuoso do que muitas outras meritórias facetas da sua vida, sempre marcadas pelo amor a Deus e ao próximo. 

Parece absurdo e sem sentido que uma vida termine precocemente, quando uma pessoa (como o Vasco) muitos talentos poderia ainda colocar ao serviço da sua família, da Igreja e da sociedade. Pode ser difícil descobrir o amor de Deus por detrás desse drama. Acredito que esse amor atua sempre, mesmo quando não o vemos claramente. Neste caso, porém, vejo claro: a doença e a morte do Vasco não foram um acaso ou uma fatalidade, ajudaram-no, a ele, na preparação pata o encontro com Deus e ajudaram-nos, a todos nós que o acompanhámos nesta fase da sua vida (e ele quis que o acompanhássemos, partilhando muito do que vivia de mais íntimo) a prepararmo-nos, também nós, para esse momento, com uma consciência mais nítida do que na vida verdadeiramente importa. Por tudo isto, vejo aqui com clareza uma manifestação do amor de Deus 

O Vasco Mina ensinou-nos, pois, a morrer e essa é para todos uma grande lição de vida.

Pedro Vaz Patto